Título: Juros nunca antes tão baixos
Autor: Duarte, Patrícia; Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 30/04/2009, Economia, p. 23

BC reduz taxa a 10,25%, nível recorde. Para empresários e alguns analistas, corte poderia ser maior.

Ao mesmo tempo em que levou ontem a taxa básica de juros do país ao seu piso histórico e inédito, 10,25% ao ano, com corte de um ponto percentual, o Comitê de Política Monetária (Copom) acabou desagradando a empresários, centrais sindicais e parte dos economistas. Na avaliação destes, a autoridade monetária deveria ter mantido o mesmo ritmo do encontro anterior, em março, quanto optou por uma redução de 1,5 ponto, para tentar estimular ainda mais a atividade econômica e evitar um quadro de recessão este ano, devido à crise internacional.

¿ O Banco Central (BC) mostrou que não está tão preocupado com a atividade econômica assim. A decisão pode frustrar um pouco as expectativas dos setores produtivos.

Caberia um corte de 1,5 ponto, já que a inflação está sob controle ¿ afirmou o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Tadeu de Freitas, exdiretor de Política Monetária do BC.

A decisão de ontem foi unânime e era amplamente esperada pelo mercado.

O nível é recorde desde a criação da taxa, em 1999 ¿ mesmo antes, a partir de 1996, quando a TBC balizava a economia, nunca um patamar tão baixo havia sido atingido. Foi o terceiro corte seguido e deu indicações de que o comitê deve fazer mais reduções na Selic, mas desacelerando a intensidade dos cortes.

Já há apostas de que, na próxima reunião, a queda será de 0,5 ponto.

Em comunicado, o comitê informou que, ¿avaliando o cenário macroeconômico e visando a ampliar o processo de distensão monetária, o Copom decidiu reduzir a Taxa Selic para 10,25% ao ano, sem viés, por unanimidade¿.

A opção mais conservadora do Copom agora, avaliam os especialistas, veio amparada sobretudo no cenário externo, que oferece sinais de recuperação.

Assim, reduzir ainda mais os juros teria deixado de ser urgente.

Pesa também a questão fiscal, com a decisão do governo de reduzir a meta de superávit primário (economia do governo para pagar juros) de 3,8% para 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país), numa clara indicação de que vai acelerar os gastos.

Assim, a administração da dívida pode, no futuro, exigir juros mais altos, já que o governo precisará captar mais.

¿ A probabilidade de uma retração global diminuiu e tirou uma parte da urgência do BC em reduzir os juros.

Mas ele vai continuar cortando ¿ afirmou o economista-chefe do WestLB, Roberto Padovani, que enxerga a Selic a 8,75% no fim de 2009.

Economia anual de R$ 4,7 bi na dívida

Por ora, o corte resultará numa economia bilionária ao governo. Segundo os cálculos do economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, a União deixará de pagar nos próximos 12 meses R$ 4,7 bilhões em juros da dívida, atualmente em R$ 1,1 trilhão.

Os títulos indexados à Selic representam 37,18% desse montante. Assim, com a queda dos juros, a relação entre a dívida e o PIB que está em 37%, deve cair este ano, mesmo com a redução da meta de superávit primário.

Para analistas, a taxa deve romper a barreira de um dígito já no próximo encontro, nos dias 9 e 10 de junho.

Seria até um motivo para o Copom ter cautela maior, dizem os especialistas, já que está entrando num caminho desconhecido. Até então, a Selic estava em 11,25%, o menor nível histórico, mas este já havia sido atingido em setembro de 2007, permanecendo até abril do ano seguinte, quando o Copom voltou a subir os juros.

Com o corte de ontem, o Brasil caiu para a terceira posição entre os países com a maior taxa de juros reais (descontada a inflação) do mundo.

Agora, segundo a consultoria UpTrend, os juros reais do país caíram de 6,6% para 5,8%. À frente estão China (6,6%) e Hungria (6,4%).

Como tem ocorrido nos últimos meses, a inflação ficou em segundo plano para o Copom. O mercado projeta, segundo a pesquisa Focus, que o IPCA fechará o ano a 4,3%, abaixo do centro da meta, de 4,5%. Por isso, o rumo da atividade econômica, apontando um cenário de recessão, ganhou peso neste momento. As apostas são de uma retração de 0,39% do PIB neste ano.

Alexandre Maia, economista-chefe da GAP Asset, interpretou o comunicado do Copom como um sinal de que os juros chegarão ao fim do ano abaixo do que vinha sendo esperado pelo mercado, 9,75% ao ano: ¿ Acredito em queda de 0,75 em junho e de 0,5 em julho, com a Selic chegando ao fim do ano em 9%. Pode até ser maior e ficar em 8,75%.

A LCA Consultores tem outra interpretação da nota do BC. Para os analistas, há um sinal de que o Copom vai cortar os juros em 0,5 ponto na próxima reunião e manter esse patamar ¿por um período prolongado¿.

Já o economista da Corretora Concórdia Elson Teles ressalta a resistência da inflação.

O preço dos serviços subiu 7% nos últimos 12 meses, e a pressão continua.

¿ Os serviços pessoais subiram 1,45% no último mês. O rendimento do trabalho continua subindo, levando junto a massa salarial, mesmo com a produção industrial caindo de 15% a 10%. Nossa demanda é diferente, tem capacidade de recuperação rápida.

Com esses juros, estamos entrando num terreno desconhecido.

O setor produtivo considerou o corte insuficiente. Para o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, os indicadores de produção e emprego mostram que a crise está longe de uma solução. A Força Sindical condenou, em nota, o que considerou uma decisão ¿muito tímida¿. Para o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, os juros deveriam estar próximos de 7% ao ano, taxa adequada a uma inflação de 4%.

¿ A redução de juros leva seis meses para fazer efeito. Se tivéssemos baixado os juros em outubro do ano passado, agora, em abril, estaríamos sentindo seus reflexos.

Essa demora contribuiu para quedas drásticas do PIB e do emprego.

Para a Firjan, a decisão de reduzir o ritmo de queda da Selic é inconsistente com as condições da economia brasileira.

Pela manhã, o presidente do BC, Henrique Meirelles, encontrou-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para fazer uma apresentação da conjuntura econômica. Os encontros às vésperas da decisão do Copom são comuns. Em geral, segundo assessores, Meirelles indica ao presidente a direção da decisão do colegiado. n

COLABOROU Luiza Damé