Título: Financiando o FMI
Autor: Batista Jr., Paulo Nogueira
Fonte: O Globo, 02/05/2009, Opinião, p. 7

É grande o número de países batendo à porta do Fundo Monetário Internacional. Toda semana aparecem por aqui um, dois, às vezes três países pedindo empréstimos. Desde outubro, a carteira de clientes do Fundo cresceu rapidamente e inclui agora países como México, Paquistão, Ucrânia, Hungria, Sérvia, Islândia, Belarus, entre outros. Diversos empréstimos estão em vias de negociação ou aprovação, inclusive para a Polônia e a Colômbia. Esses dois últimos, assim como o do México, são empréstimos grandes, negociados no âmbito da nova Linha de Crédito Flexível.

Tornou-se evidente a necessidade de ampliar o Fundo. Em Londres, os líderes do G20 concordaram que é preciso aumentar em US$500 bilhões os recursos do FMI. Isso significa triplicar para US$750 bilhões a capacidade de empréstimo da instituição em relação ao nível pré-crise.

A meta é ambiciosa. Até agora só um país colocou dinheiro novo na mesa: o Japão, que forneceu um empréstimo de até US$100 bilhões. Outros anunciaram o valor da contribuição que pretendem dar. O governo dos EUA pediu ao Congresso que aprove um aporte de até US$100 bilhões. A União Europeia ofereceu cerca de US$100 bilhões (excluindo a parcela a ser destinada ao Leste Europeu). O Canadá e a Suíça ofereceram US$10 bilhões cada. A Noruega dará até US$4,5 bilhões. Contando o empréstimo japonês e os anúncios feitos até agora, chega-se a um total de US$324,5 bilhões. Como falta muito para alcançar a meta, outros países estão sendo pressionados a comparecer, entre eles o Brasil. O governo brasileiro anunciou que pretende participar, embora ainda não tenha definido valor e modalidade da contribuição.

Brasil, credor do FMI! Quem diria? Os meus antecessores aqui na diretoria do Fundo, Alexandre Kafka, Murilo Portugal e Eduardo Loyo, representavam um devedor contumaz, um dos maiores e mais vorazes tomadores de recursos.

Quis o destino que coubesse a mim ser representante do Brasil como credor do Fundo. Logo eu, um devedor nato, hereditário e, além do mais, inadimplente! Kafka, Portugal, Loyo, qualquer um dos três faria melhor figura como credor. Posso imaginá-los circulando aqui pelo Fundo com grande categoria, cobrando disciplina e pontualidade dos devedores.

Mas, enfim, o Brasil só agora está dando os seus primeiros passos como credor do FMI. No sábado passado, durante a reunião de primavera do Fundo, o ministro Guido Mantega estabeleceu cinco princípios que devem orientar a mobilização de recursos.

Primeiro, os empréstimos devem ser temporários. O Fundo é uma instituição baseada em quotas. A mobilização de empréstimos não deve solapar a revisão geral de quotas, a ser concluída em janeiro de 2011, como acordado pelo G-20. Essa revisão é que permitirá realinhar a distribuição de quotas e aumentar a participação dos países em desenvolvimento nas decisões da instituição.

Segundo, as quotas no FMI devem ser usadas como parâmetro para definir o tamanho das contribuições. O montante inicialmente anunciado pela União Europeia, por exemplo, é bem menor do que a sua participação nas quotas do Fundo.

Terceiro, os instrumentos de financiamento devem ser desenhados de modo a permitir que os empréstimos sejam tratados como reservas internacionais. As contribuições devem envolver a aquisição de ativos líquidos emitidos pelo Fundo, imediatamente conversíveis em moedas de liquidez internacional.

Quarto, os países podem preferir dividir sua contribuição em duas partes, como vem sendo feito pela União Europeia. Uma parte poderia ser reservada ao apoio bilateral ou regional, por meio, inclusive, do cofinanciamento de programas do FMI. Assim, as contribuições refletiriam melhor as prioridades econômicas e regionais dos países.

Quinto, os países também podem destinar parte de sua contribuição à assistência financeira aos mais pobres. O Brasil estudará formas de contribuir para a ampliação da capacidade do Fundo de emprestar a países de baixa renda.

Em resumo, o governo brasileiro está disposto a contribuir para o financiamento do FMI, mas deseja fazê-lo de forma compatível com seus interesses estratégicos e as prioridades da sua política econômica externa.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional. E-mail: pnbjr@attglobal.net.