Título: A permanência do possível
Autor: Mercadante, Aloizio
Fonte: O Globo, 03/05/2009, Opinião, p. 7

Decidimos criar o Parlamento, o Foro das Supremas Cortes e o Tribunal do Mercosul

¿Nada é possível sem os homens, nada dura sem as instituições.¿ Jean Monnet

O Brasil vem se destacando como um ator importante em todos os foros mundiais.

Parte desse novo papel do Brasil pode ser atribuída ao próprio carisma do presidente Lula. Na reunião do G20 em Londres, o reconhecimento público do presidente Obama ao ¿cara¿ reflete esse crescente papel positivo de Lula no cenário internacional.

O inegável prestígio internacional do nosso presidente contrasta vivamente com as avaliações pessimistas daqueles que, à época de sua primeira eleição, vaticinavam que os interesses do Brasil no mundo seriam seriamente afetados pelo fato de que Lula não sabia falar inglês. Hoje, sabe-se que a flor inculta e bela de Lula é muito bem recebida em todos os jardins.

No entanto, a parte maior desse mérito cabe a uma política externa muito bem conduzida que vem projetando os interesses do Brasil no exterior de forma corajosa e decidida. A condução exitosa dessa política não se assenta apenas na competência de seus artífices, mas fundamentalmente em diversos vetores externos e internos de nossas políticas.

Não obstante, parecenos que a grande força do Brasil na ordem mundial reflete muito especialmente a função positiva que o país vem assumindo na América do Sul e na América Latina. De fato, o Brasil é visto por todos os países, inclusive pelos EUA, como uma nação que contribui de forma construtiva para o progresso e o equilíbrio político de uma região antes considerada problemática. O Brasil tem liderança mundial porque é também uma sólida liderança regional. Nada mau para uma política externa que já foi classificada de antiamericana e ideológica.

Ora, essa liderança regional está assentada, por sua vez, num decidido esforço pela integração que tem sua base no Mercosul. A importância maior desse bloco é geoestratégica. Ele sinaliza o futuro da integração de todas as nações da América do Sul num projeto que tem por finalidade última melhorar a qualidade de vida de todos os cidadãos do subcontinente.

Esse complexo processo de integração vem sendo construído por lideranças políticas dos Estados Partes. Porém, a sua efetiva consolidação depende da implementação de uma série de instituições de caráter supranacional e na capacidade de essas instituições acolherem os interesses dos cidadãos comuns, os quais são os garantidores últimos da integração.

Por isso, o Parlamento do Mercosul tem papel primordial na integração. Ele é a instituição que tem a missão de consolidar a integração nos anseios do cidadão comum. Contudo, para cumprir essa missão, o Parlamento precisava superar a sua atual fase de transição de um parlamento com membros designados pelos legislativos nacionais para um parlamento efetivamente supranacional com membros eleitos em pleitos diretos e exclusivos.

Após grandes resistências, conseguimos, na última reunião do Parlamento realizada em Assunção, fechar histórico acordo político que define os números dos parlamentares por país, o que permitirá a realização de eleições diretas para esse legislativo supranacional, consolidando a dimensão democrática do Mercosul. Mas o acordo não se restringiu ao Parlamento. Decidimos também que, em conjunto com o Foro das Supremas Cortes do Mercosul, criaremos o Tribunal de Justiça do Mercosul, o qual poderá emitir sentenças de cumprimento obrigatório sobre todos os domínios legais que estão envolvidos na integração.

Assim sendo, a reunião de Assunção entrará para a História como um ponto de inflexão do Mercosul. A integração, tornada possível por homens, passa a contar, agora, com instituições supranacionais que lhe darão permanência e estabilidade, independentemente das idiossincrasias das lideranças que venham a conduzila.

Afinal, como bem sabia Jean Monnet, artífice da União Européia, se os ¿caras¿ são importantes, já que criam o possível, as instituições o são ainda mais, pois concretizam o possível numa realidade irreversível.

ALOIZIO MERCADANTE é senador (PT-SP).