Título: Benefício é única renda certa para mãe de 6 filhos
Autor: Lins, Letícia; Martin, Isabela
Fonte: O Globo, 03/05/2009, O País, p. 8

Crianças também ajudam a catar latinhas nos dias de jogo.

RECIFE e FORTALEZA. Aos 29 anos, com seis filhos, sem emprego e morando em um casebre sem água encanada nem banheiro, a pernambucana Ionice Farias Pessoa é uma das 941.100 pessoas inscritas no Bolsa Família em Pernambuco.

No entanto, ela está longe de atingir o objetivo exaltado pelo Planalto de garantir um mínimo de três refeições diárias aos brasileiros. Recebe R$ 122 do programa, não tem outro tipo de renda ¿ a não ser alguns trocados com a venda de vasilhames de cerveja ¿, e é comum a família comer apenas uma vez por dia.

Sustentando a casa, ela afirma que a comida falta na mesa quando se aproxima o fim do mês. O jeito é racionar alimentos e fazer só uma refeição diária. A família come o que tiver: feijão ralo de manhã ou à noite, um pouco de farinha de mandioca e coisas doadas por vizinhos um pouco menos pobres.

Órfã de pai e mãe, Ionice herdou o imóvel onde mora. Quando chove, o cubículo único que serve de quarto, sala e cozinha fica alagado. A casa praticamente não tem mobília: uma mesa e prateleiras de madeira reaproveitada. Uma espuma serve de única cama da casa, onde dormem todos juntos.

A contrapartida do programa Ionice faz como pode: os filhos mais velhos, Lenice, de 13, Vitor, de 11, Tatiane, de 9, e Taciana, de 8, estão na escola. Em casa cuida de Ranieli, de 4, e de José Filipe, de 6 meses. E tenta manter em dia a vacinação das crianças. Ionice não sabe ler. Os maiores ajudam a mãe a catar latinhas em dia de jogo. A última venda para uma empresa de reciclagem rendeu R$ 16.

Diferentemente de boa parte dos beneficiários do interior, que conseguem comprar até eletrodomésticos a prestação com o benefício, o único que ela tem é uma televisão. Doada.

Curso de qualificação só atendeu 1% dos beneficiados Em Fortaleza, na casa de Edna Maria Silva Gabriel, de 48 anos, o dinheiro do programa, que este ano passou para R$ 152, é a única renda garantida para alimentar dez pessoas, incluindo três crianças de 1, 4 e 8 anos de idade. Ela, as seis filhas e três netas moram em Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza, numa casa de dois cômodos, sem saneamento.

Edna é beneficiária do programa há muitos anos. Começou com o Bolsa Escola, criado no governo de Fernando Henrique Cardoso, depois unificado no Bolsa Família. Com os anos, a ajuda passou de R$ 45 para os atuais R$ 152. A família é totalmente dependente do Bolsa Família e de parentes.

Em Fortaleza, 1.265 pessoas passaram por programas de qualificação, como projetos na área da construção civil e costura. O número representa menos de 1% do total de 145.415 mil beneficiadas na capital. (Letícia Lins e Isabela Martin)