Título: Governos arrecadam menos, mas gastam mais
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 01/05/2009, O País, p. 8

Apesar de pedirem socorro à União, estados e municípios elevam despesas com pessoal; Rio está entre exceções

BRASÍLIA. No primeiro bimestre deste ano, enquanto a crise econômica reduzia as arrecadações federal, estaduais e municipais, a União, os principais estados e capitais brasileiras estavam com o pé no acelerador dos gastos, pagando mais para a folha de pessoal e também para outras despesas - com raras exceções. Apenas o Estado do Rio, a capital fluminense, Salvador e Recife reduziram suas despesas totais e entraram o ano com mais recursos em caixa, embora também tenham concedido aumentos salariais.

Os números revelam que todos os entes da Federação pagaram mais ao funcionalismo no período, o que indica que os governos de todas as matizes políticas aproveitaram o período da bonança econômica de 2008 - interrompido em setembro - para conceder reajustes. Mas nenhum alcançou a proporção do governo federal, que aumentou essa conta em 22,6% no início deste ano, em razão dos acordos fechados com dezenas de categorias de servidores em 2008.

É o que mostra um levantamento recém-concluído, obtido pelo GLOBO, que avalia o comportamento das contas da União, de oito estados e de seis capitais. Utilizando números dos próprios governos, o estudo compara dados do primeiro bimestre de 2009, no auge da crise, com os dois primeiros meses de 2008, em que os sinais eram de um crescimento promissor da economia brasileira.

Mas a União não está sozinha ao aumentar a despesa com pessoal: Pernambuco elevou seu gasto com funcionalismo em 17,9% e Minas, em 16,3%. Já o Estado do Rio teve um aumento menor: 4,1% na folha no período. Entre as capitais, destacam-se os reajustes pagos pelos prefeitos do Rio (9,2%) e de Salvador (9,7%). São Paulo, Recife e Porto Alegre deram aumentos menores, na casa de 1%.

Especialista vê contradição entre discurso e prática

A amostra de estados e municípios, levantada pelos especialistas em finanças públicas José Roberto Afonso e Gabriel Junqueira, teve como critério a divulgação dos dados pela internet e o fato de seguirem parâmetros comuns, que permitissem a comparação dos números. Segundo Afonso, os dados mostram uma contradição entre o discurso e a prática das autoridades federais:

- O governo reclama que a receita caiu igualmente, e que os governos estaduais e municipais precisariam conter seus gastos, o que ele claramente não está fazendo.

Em alguns estados e capitais, o gasto maior com pessoal foi compensado com cortes de despesas correntes, como custeio diário da máquina. É o caso de Minas, Rio e Bahia, que cortaram esse desembolso em 39,9%, 7,3% e 9,2%, respectivamente. Algumas capitais fizeram o mesmo movimento. O município do Rio, por exemplo, cortou outras despesas em 26,9%, e Recife fez um corte ainda maior: 42,2%.

O secretário de Fazenda de Minas, Simão Cirineu Dias, diz que o corte de despesas foi generalizado para todas as secretarias estaduais, para compensar a queda abrupta da receita e financiar os aumentos de gastos contratados em 2008. Ano passado, a Polícia Militar e os trabalhadores em educação do estado tiveram reajustes salariais na casa dos 10%. Para outras categorias o índice foi menor.

- O corte teve o objetivo de equilibrar o orçamento. A arrecadação (em 2009) está 3% menor do que a prevista - explicou o secretário.

Mas a redução de despesas não foi regra. Além dos gastos com pessoal, a União, por exemplo, desembolsou 9,7% a mais com custeio; São Paulo, 14,3%; e Pernambuco deu um salto de 32,5%. Entre as capitais, os maiores gastadores foram Fortaleza (33%) e Porto Alegre (12,5%), cujos prefeitos foram reeleitos.

Superávit paulista foi o dobro do federal

Segundo José Roberto Afonso, este aumento de despesas têm uma característica preocupante: não implicou mais investimentos, mas gastos que não podem ser reduzidos ou que não geram mais empregos e renda.

- A prática fiscal no Brasil está muito distante das políticas recomendadas pela teoria e pela experiência internacional em momentos de crise, que deveria se concentrar no aumento do investimento público - explica.

A estratégia de compensar o aumento da folha com corte de gastos gerou resultados positivos para as finanças do Estado do Rio e de três capitais: Rio, Recife e Salvador. O governo do Rio conseguiu reduzir suas despesas totais em 1,2%; a capital fluminense em 1%; Recife em 18,5% e Salvador em apenas 0,1%. Os demais tiveram aumentos variados.

No âmbito federal as contas são ruins: o aumento generalizado de gastos fez com que a economia para pagar os juros (o superávit primário) caísse 86%. É um percentual sem comparação com os demais entes federativos, um tombo que compromete as metas fiscais. Apenas o Rio (capital e estado) e Recife tiveram superávits superiores ao verificado no primeiro bimestre do ano passado.

Os dados da União mostram uma redução drástica no esforço fiscal do Planalto. O estado de São Paulo, que arrecadou R$22,8 bilhões, economizou R$6,5 bilhões. A União, que teve receita de R$93,1 bilhões, teve superávit de R$3 bilhões, menos da metade do paulista. Nos dois primeiros meses do ano, as prefeituras de São Paulo e do Rio economizaram juntas R$3,6 bilhões, apesar de arrecadarem apenas 7% da receita federal.

oglobo.com.br/pais