Título: Concordata histórica
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Fonte: O Globo, 01/05/2009, Economia, p. 19

Com dívida de US$6,9 bi, Chrysler inicia reestruturação e se une à Fiat

NOVA YORK e WASHINGTON

AChrysler, uma das três grandes montadoras de Detroit, entrou ontem com pedido de falência pelo Capítulo 11 da legislação americana (equivalente à concordata no Brasil), na Corte de Falências de Nova York. Ao mesmo tempo, a Chrysler anunciou ter fechado uma parceria com a italiana Fiat. Pouco antes do anúncio oficial, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, havia anunciado que a montadora pediria concordata. Ele disse ainda que os acordos fechados pela Chrysler no último mês, com a ajuda do governo, garantiram à montadora "uma nova vida". Obama culpou "um pequeno grupo de especuladores" pela concordata. A montadora ainda vai receber cerca de US$8 bilhões da Casa Branca e US$2,42 bilhões dos governos do Canadá e da província de Ontario.

- Estou confiante de que a Chrysler vai emergir desse processo mais forte e mais competitiva - disse Obama, ressaltando que a concordata será "rápida e controlada". - Este não é um sinal de fraqueza, mas mais um passo no caminho da recuperação da Chrysler.

Para mostrar a agilidade do processo, a primeira audiência será hoje. É a primeira concordata de uma montadora americana desde 1933, quando a vítima foi a Studebaker. Fundada em 1925 por Walter P. Chrysler - que criou o primeiro carro com seu nome em 1924 -, a Chrysler detém ainda as marcas Jeep e Dodge.

Sindicato terá 55% e Fiat, 20%

O governo americano havia oferecido US$2,25 bilhões em dinheiro aos credores da Chrysler se estes concordassem em fazer a baixa contábil da dívida de US$6,9 bilhões. Mas 40 fundos hedge, que detêm cerca de 30% da dívida, não aceitaram a proposta, levando à concordata. Já os quatro maiores credores (JPMorgan, Citigroup, Goldman Sachs e Morgan Stanley) aceitaram trocar US$0,28 por dólar da dívida. O UAW concordou com cortes em salários; as concessionárias, em reduzir margens de lucro; e os fornecedores, em dar descontos. Ontem vencia o prazo dado pela Casa Branca para a Chrysler apresentar seu plano de sobrevivência.

Pela concordata, será criada uma empresa - a Nova Chrysler, subsidiária da Fiat - que comprará os ativos da Chrysler por US$2 bilhões. Será criado também um fundo independente para cuidar do seguro-saúde e da aposentadoria dos funcionários, ligado ao sindicato da categoria, o United Auto Workers (UAW). Este ficará com 55% da nova empresa. A Fiat ficará com 20%, podendo chegar a 35% se algumas metas forem cumpridas. Além disso, se a Nova Chrysler pagar todos os empréstimos ao governo até 2016, a Fiat poderá pegar mais 16% da empresa, chegando a 55%. O Tesouro americano ficará com 8% e os governos de Canadá e Ontario, com 2%.

O diretor-executivo da Chrysler, Robert Nardelli, mostrou otimismo ontem ao afirmar que a empresa sairá da concordata em 60 dias. Mas os documentos entregues à corte prevêem a apresentação de um plano de reorganização para o dia 28 de agosto. Nardelli também informou que, quando acabar o processo de recuperação, deixará o cargo, que ocupa há dois anos, e voltará ao Cerberus Capital Management, o ex-controlador da Chrysler. Este comprou a montadora da alemã Daimler (dona da marca Mercedes) em 2007.

A Daimler vai abrir mão de sua fatia de 19% na Chrysler, vai perdoar uma dívida de US$1,5 bilhão e pagar US$600 milhões ao fundo de pensão da montadora. O Cerberus também perdoará dívida, de US$500 milhões.

Produção vai parar durante processo

Os investidores encararam bem a concordata da Chrysler, que deu um gás às ações das concorrentes: GM fechou em alta de 6,08% e Ford, de 9,72%. Pesou mais a queda de 58% no lucro trimestral da petrolífera Exxon Mobil, para US$4,6 bilhões. Em Nova York, Dow Jones recuou 0,22%, enquanto Nasdaq subiu 0,31%.

Em vendas nos EUA, a Chrysler está atrás de Toyota, GM e Ford, e a Honda está quase tomando seu lugar. A empresa informou que continuará a vender automóveis, que agora terão a garantia do governo americano. E disse que, no momento, não haverá demissões ou fechamento de fábricas. A produção, no entanto, será suspensa durante a reestruturação. Isso cria uma incógnita para milhares de trabalhadores. Segundo o site CNNMoney, 284 mil empregos estariam ameaçados nos EUA: 40 mil nas fábricas da Chrysler, 140 mil nas concessionárias e 104 mil nas empresas de autopeças.

- Sentimos que fizemos o possível - disse ao "New York Times" David DeMoss, presidente do UAW em Perrysburg, Ohio. - O resto está fora de nosso controle. A maioria está otimista com a chegada da Fiat. Pelo menos é um raio de esperança.

Não é a primeira vez que a Fiat se une a uma montadora americana. Há nove anos, ela e a GM criaram uma joint venture para desenvolver motores e equipamentos. Não deu certo: em 2005, a GM pagou US$2 bilhões para não ser obrigada a comprar a Fiat, como previa o acordo. Mês passado, surgiram rumores de que a Fiat estaria interessada em comprar a Opel, braço europeu da GM. Analistas estimam que a concordata da Chrysler pode ser um modelo para a GM, cujo prazo dado pela Casa Branca termina em 1º de junho. (Com New York Times, Bloomberg News e agências internacionais)