Título: TCU flagra 577 políticos com Bolsa
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 07/05/2009, O País, p. 3

Entre os beneficiários, havia também 106 mil donos de veículos e 3.791 mortos

O Bolsa Família, principal programa do governo para combater a pobreza, é suspeito de pagar benefícios a 577 políticos eleitos, 3.791 mortos, 106.329 donos de carros, caminhões, tratores ou motos e a 1,1 milhão de famílias com renda acima do permitido. Os indícios de fraude foram apontados em auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), aprovada ontem. Em seu voto, o relator do caso, ministro Augusto Nardes, afirmou que, contabilizando-se apenas os casos mais evidentes de irregularidades, pelo menos 312.021 famílias estão recebendo recursos de forma irregular, causando um prejuízo mensal de R$ 26,5 milhões ¿ o equivalente a 3,11% da folha do Bolsa Família em fevereiro de 2008, mês analisado.

Ao cruzar os nomes da lista de beneficiários do Bolsa Família com a relação de candidatos nas eleições de 2004 e 2006, os auditores identificaram 577 políticos eleitos. Considerandose os suplentes, isto é, quem foi derrotado nas eleições, o número totaliza 39.937 beneficiários. O relatório não especifica qual eleição os 577 políticos venceram. Em 2004, foram disputados cargos de vereador, prefeito e vice; em 2006, deputado estadual, deputado federal, senador, governador, vice e presidente da República.

O TCU constatou que os quase 40 mil suplentes e eleitos pertencem a 22,6 mil famílias, contempladas com R$ 1,5 milhão em fevereiro do ano passado.

Desde março de 2008, decreto do presidente Lula proíbe que políticos eleitos em qualquer esfera de governo recebam recursos do Bolsa Família.

O ministro-relator, Augusto Nardes, lembra em seu voto que a base de dados do Tribunal Superior Eleitoral não permite saber se os eleitos efetivamente tomaram posse. Mas considera indispensável a investigação caso a caso.

Os auditores debruçaram-se sobre o Cadastro Único, lista da população pobre que é beneficiada por programa sociais em todo o país. Segundo eles, a presença de políticos eleitos no CadÚnico e, pior ainda, no Bolsa Família, ¿compromete a eficácia¿ do programa e a ¿elaboração de políticas públicas com base nos dados do cadastro¿.

Família tem sete caminhões

A auditoria levantou suspeitas de diversos tipos de irregularidades. O cruzamento da lista de beneficiários com o Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam) mostrou que 106,4 mil famílias atendidas pelo programa têm veículos novos ¿ ou mesmo uma moto importada, no valor de R$ 63.800 ¿ em seus nomes.

No caso de caminhões, tratores e ônibus, só entraram no cálculo veículos fabricados a partir de 2000; caminhonetes, a partir de 2002; carros, 2004; e motos, 2007.

Segundo o TCU, uma família que declarou ter renda mensal por pessoa de R$ 35 ¿ o que lhe dava direito a um repasse mensal de R$ 94 ¿ tinha sete caminhões, avaliados em R$ 756,4 mil. Outra que informou ter renda per capita de R$ 60 era dona de três tratores, avaliados em R$ 538,5 mil.

A auditoria recorreu a outras bases de dados para fiscalizar o Bolsa Família. Uma consulta ao Sistema Informatizado de Controle de Óbitos (Sisobi), do Dataprev, revelou que 299 mil pessoas registradas no Cadastro Único constam como mortas. Os auditores são cautelosos em afirmar que se trata de fraude, temendo estarem diante de homônimos, erros de digitação ou informação.

Dos 299 mil mortos, 3.791 estavam na folha do Bolsa Família de fevereiro de 2008. Todos eles são os únicos membros de suas famílias.

Assim, o pagamento não deveria mais estar sendo feito, se eles de fato estão mortos.

Atualmente o Bolsa Família paga de R$ 20 a R$ 182 por mês. O valor varia conforme o grau de pobreza e o número de filhos até 17 anos. Lares com renda por pessoa inferior a R$ 69 por mês são consideradas extremamente pobres e têm direito a um benefício básico de R$ 62. O restante está ligado ao número de crianças e jovens.

Os auditores recomendam maior fiscalização sobre o Cadastro Único, em especial sobre a renda familiar informada no momento do cadastramento, que é feito pelas prefeituras.

Segundo os auditores, 1,1 milhão de famílias tinham renda acima de R$ 120 (o limite máximo em fevereiro de 2008; hoje esse valor está em R$ 137). Desse total, os técnicos desconfiam que 195,3 mil podem ter agido de má-fé, informando uma renda familiar menor do que a real.

Esse contingente de beneficiários recebeu R$ 10,9 milhões em fevereiro de 2008.

Segundo os auditores, o Bolsa Família continuava pagando os benefícios para jovens, mesmo depois que eles completavam 16 anos. Até fevereiro do ano passado, essa modalidade de pagamento era restrita a quem tinha no máximo 15 anos ¿ hoje quem tem 16 e 17 anos também ganha um extra. O governo, porém, só suspende os repasses no mês de janeiro, de modo que um jovem com idade acima do permitido pode ficar 11 meses recebendo o acréscimo.

O TCU apontou que 385.226 benefícios foram pagos com valor acima do possível, a maioria por incluir jovens de 16 anos ou mais. Além disso, 1.742 benefícios para famílias extremamente pobres foram dados a quem não tinha direito. Nardes considerou alto o valor de R$ 240 milhões pagos pelo Ministério do Desenvolvimento Social à Caixa Econômica Federal pela operacionalização do Bolsa Família.

Nardes registra que se trata de um ¿baixo percentual de prováveis desvios e irregularidades¿. Nesse ritmo, ao longo de um ano, a perda seria de R$ 318 milhões. O Bolsa Família deverá gastar R$ 11,4 bilhões este ano. Hoje são pagos 11,1 milhões de benefícios. A partir de outubro, devem ser 12,9 milhões.