Título: Recessão será evitada por dinheiro público
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 31/03/2009, Economia, p. 14

Aumento do salário mínimo, benefícios assistenciais, investimentos em obras e gastos com a máquina impedirão derrocada maior da economia

O governo terá papel fundamental para evitar que o Brasil feche 2009 com retração na economia, fortemente impactada pela crise internacional. Foi o que reconheceu ontem o diretor de Política Econômica do Banco Central, Mário Mesquita, ao anunciar a revisão, de 3,2% para apenas 1,2%, da projeção de crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB). Com uma ou outra exceção, as ações diretas ou indiretas do setor público vão estimular a produção e o consumo. ¿Em tempos de recessão ou de forte desaceleração da atividade, os gastos públicos têm efeito anticíclico e ajudam a amortizar as variações da economia¿, disse.

Isoladamente, as despesas do governo com a máquina, que devem avançar 2,4%, responderão por quase a metade do crescimento do PIB: 0,5 ponto percentual. No caso do consumo das famílias, o setor público contribuirá por meio do aumento do salário mínimo e dos programas sociais, como o Bolsa Família. Se nessa conta forem incluídos os salários dos servidores, os benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o seguro-desemprego, a amplitude fica maior. Para dar uma dimensão, o diretor do BC citou a massa salarial, que combina emprego e renda. Sem os ganhos dos servidores, os gastos do INSS e o seguro-desemprego, a massa salarial crescerá 2,5% em 2009. Com a inclusão dessas fontes de renda, o incremento será de 3,5%.

Nos investimentos, a contribuição do governo virá por meio do pacote habitacional, das obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), dos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e dos empreendimentos da Petrobras. O PAC e o pacote habitacional também sustentarão crescimento de 2,7% da construção civil, desempenho fundamental para que a indústria, o setor mais afetado pela crise, feche o ano com ligeira alta de 0,1%. A produção industrial deve ainda ser favorecida pelos incentivos fiscais dados pelo governo, em especial ao setor automobilístico (leia mais na página 15). Nos serviços, o segmento da administração pública (saúde e educação) foi o único a ter sua estimativa de expansão elevada pelo BC, de 1,8% para 2,6%.

Na avaliação do economista-chefe da Gap Asset Management, Alexandre Maia, diante do tamanho da crise, que atingiu de forma generalizada a economia mundial e a brasileira, a intervenção do Estado é fundamental para mitigar os estragos. E aí se inclui, inclusive, a política monetária, com a redução dos juros. Mas, apesar de todos os instrumentos usados pelo governo, Maia considerou a projeção de crescimento do BC para o PIB bastante otimista. ¿Eu continuo apostando em queda de 0,5% para o PIB em 2009, pois não vejo uma reação rápida da economia¿, disse. A seu ver, a expectativa negativa dos consumidores e dos empresários manterá atividade travada.

Segundo Mário Mesquita, do BC, o pessimismo do mercado ¿ o consenso é de que o PIB terá variação zero neste ano ¿ decorre do peso excessivo que se está dando ao que os especialistas chamam de carry-over ou carregamento estatístico de um ano para o outro. Nas contas do mercado, diante do tombo da atividade no último trimestre de 2008, de 3,6%, o Brasil começou 2009 com PIB negativo de 1,5%. ¿Esse impacto, porém, ficará concentrado no primeiro trimestre do ano. Nos trimestres consecutivos haverá crescimento, o que nos leva a projetar expansão de 1,2% para o ano¿, frisou.

Para o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, não há como falar em crescimento da economia sem a retomada do crédito. Ele afirmou que, agora, além de os bancos não estarem querendo emprestar há um problema de demanda, pois as empresas suspenderam investimentos e as pessoas físicas estão com medo de se endividarem por causa da ameaça do desemprego. Pelas projeções do BC, o desemprego subirá dos atuais 8,5% para 8,8% neste ano.

DE ONDE VIRÁ A AJUDA Pelas contas do BC, o governo será vital para evitar que o Brasil feche o ano com PIB em queda

DO LADO DA OFERTA

Indústria A construção civil, que tem peso importante nesse setor, crescerá 2,7%, puxada, principalmente, pelos subsídios dados do pacote habitacional e pelo PAC.

Serviços A administração pública foi o único segmento com aumento de projeção pelo BC: avançará 2,6%, por causa dos setores de saúde e educação.

DO LADO DA DEMANDA

Investimentos O PAC garantirá importantes obras de infraestrutura; o pacote de habitação exigirá mais desembolso das construtoras, o BNDES bancará vários projetos e a Petrobras, outros.

Consumo das famílias Aumento do salário mínimo e programas sociais manterão poder de compra. Com salários de servidores, benefícios do INSS e seguro-desemprego, massa salarial crescerá 3,5%.

Consumo do governo A ampliação da máquina administrativa, com a contratação de mais funcionários, levará os gastos do setor público a crescerem 2,4%.

PARA CHEGAR AO 1,2% (Em pontos percentuais) Contribuições para o Produto Interno Bruto

Consumo das famílias +1,0 Consumo do governo +0,5 Investimentos +0,1 Exportações -1,9 Importações +0,9

Fonte: Banco Central

-------------------------------------------------------------------------------- BC quer rever contratos

A forte retração da atividade econômica fará com que a inflação tome um tombo neste ano e em 2010. Pelas contas do Banco Central, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficará em 4%, abaixo, portanto, do centro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 4,5%. Há três meses, as projeções do BC apontavam 4,7% e 4,3%, respectivamente. Com essas estimativas, o mercado selou as apostas de que a taxa básica de juros (Selic) poderá cair dos atuais 11,25% para um patamar entre 8% e 9% neste ano. ¿É preciso ressaltar que a maior parte da flexibilização da política monetária terá efeito em 2010¿, disse o diretor de Política Econômica da instituição, Mário Mesquita.

Ele ressaltou que, com índices tão baixos de inflação, chegou a hora de se discutir a revisão de contratos que são reajustados pela inflação passada, a indexação que vem dos tempos em que o país vivia um descontrole de preços. Ele citou, particularmente, os contratos de aluguéis e os de educação, que têm apresentado forte correção, estimulando uma inflação persistente. ¿Não estou advogando em favor da quebra de contratos, mas é preciso atualizá-los à nova realidade da economia¿, afirmou. A observação vale para as tarifas públicas (energia elétrica e telefonia, por exemplo) e para a caderneta de poupança, corrigida pela Taxa Referencial (TR), apontadas pelo BC como limitadores para uma baixa mais acentuada de juros.

Mesquita destacou ainda que o governo e a sociedade terão de encampar o debate em torno da redução das metas de inflação. Em junho próximo, o governo terá de ratificar a meta de 2010 e definir o objetivo a ser perseguido em 2011. ¿Temos de lembrar que, em 10 anos de regime de metas, somente em 2006 a inflação ficou próxima da média mundial¿, frisou. Na avaliação do diretor do BC, diminuiu a chance de repasse da alta do dólar para os preços ao consumidor e não há expectativa de valorização das commodities. Ele lembrou que o BC ampliou o raio de cobertura do crédito para calcular o spread bancário, diferença entre o que os bancos pagam aos investidores e o que cobram nos empréstimos. Na nova conta, o spread das pessoas físicas recuou de 45 para 40 pontos percentuais e o das empresas, de 18 para 8,5 pontos. (VN)