Título: Burocracia não poupa vítimas de enchentes
Autor: Carvalho, Jailton de; Perboni, Juraci
Fonte: O Globo, 10/05/2009, O País, p. 3

Mais da metade do dinheiro prometido a estados que sofreram desastres ano passado ainda não saiu

Em meio a uma lista cada vez maior de cidades das regiões Norte e Nordeste atingidas pelas enchentes este ano, a ajuda emergencial prometida pode demorar a chegar. Os recursos federais para atender as vítimas correm o risco de ficar presos na burocracia estatal, como acontece até hoje com a ajuda que deveria ter sido dada aos estados afetados por calamidades públicas no fim do ano passado. Segundo dados do Ministério da Integração Nacional, mais da metade dos R$ 720 milhões anunciados pelo governo federal para socorrer as vítimas de secas e enchentes em dezembro de 2008 ainda não foi liberada.

Dos R$ 360 milhões reservados para Santa Catarina, o estado mais castigado pelas cheias ano passado, só R$ 150 milhões foram repassados ao governo estadual. Os repasses são piores para estados do Norte e do Nordeste. Dos R$ 360 milhões do pacote lançado ano passado, o governo empenhou até agora R$ 124 milhões.

A demora na transferência dos recursos provoca troca de acusações entre governos federal, estaduais e municipais sobre o papel de cada um no atendimento aos flagelados.

¿Não há dúvida sobre a demora¿

A secretária nacional de Defesa Civil, Ivone Valente, decidiu mudar as regras para a liberação de verbas federais em casos emergenciais. A ideia é diminuir as exigências burocráticas que, em alguns casos, inviabilizam a aprovação de projetos de ajuda federal. Para Ivone, não há como não reconhecer a lentidão nos repasses diante da urgência das pessoas atingidas: ¿ Não há dúvida sobre a demora (na liberação dos recursos). A gente teve dificuldades de toda natureza.

Segundo ela, os problemas vão desde percalços de engenheiros para fazer levantamento dos prejuízos ao embaraço de técnicos de prefeituras e governos estaduais para elaborar projetos de pedidos de verba. Num dos projetos, o governo estadual teria confundido projeto de recuperação com propostas de prevenção. Com a confusão de normas, os governos federal e de Santa Catarina só acertaram até agora a liberação de R$ 150 milhões e ainda não há certeza de que o dinheiro tenha chegado aos destinatários.

Para complicar a situação, o governo de Santa Catarina só teve condições de mandar os demais projetos em busca dos R$ 170 milhões restantes na semana passada. Os técnicos do ministério estariam, agora, fazendo esforço extra para agilizar a aprovação das propostas.

O governo do Amazonas, estado atingido pela enchente das últimas semanas, enfrenta problemas similares.

Os projetos apresentados pelo estado não atendem as especificações técnicas.

Pressionado pela necessidade de socorre imediato, o governo federal já decidiu ignorar erros burocráticos.

¿ Os documentos estão com falhas, mas o ministério vai aceitar para não haver atrasos na liberação dos recursos ¿ disse Ivone.

O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, deverá baixar novas instruções para diminuir os entraves burocráticos e, com isso, facilitar a movimentação de recursos em situações de calamidade pública. O governo não quer arcar com a responsabilidade de, mais uma vez, reter recursos das vítimas de enchentes como aconteceu nos últimos meses.

Quase seis meses após as enchentes e deslizamentos que atingiram as regiões do Vale do Itajaí, Florianópolis e Litoral Norte de Santa Catarina ¿ provocando 135 mortes e muitos estragos ¿, a região recebeu só uma pequena parte do que foi prometido.

¿ O problema da burocracia em relação a esses repasses torna a gestão federal ineficiente. Os procedimentos exigidos atrasam os serviços em duas ou três vezes mais ¿ diz o prefeito de Blumenau, João Paulo Kleinübing. ¿ O município precisa de R$ 750 milhões para recuperar ruas, construir casas, comprar terrenos, limpar tubulações, acertar encostas.

Em SC, 2.700 ainda vivem em galpões

Santa Catarina já havia recebido R$ 85 milhões para as emergências, usados para limpeza e reabertura dos acessos e material de consumo.

Mas, pelos cálculos dos municípios, faltam cerca de R$ 3 bilhões para reconstruir algumas regiões, o que deve demorar cerca de dois anos. Só chegaram os R$ 15 milhões das doações feitas para a compra dos terrenos. É preciso erguer 6.250 casas; 2.700 pessoas ainda vivem dentro de galpões.

O diretor da Defesa Civil estadual, major Márcio Alves, prefere creditar o atraso à burocracia imposta pela legislação e ao modelo de atendimento nos desastres. Ele, que vai segunda-feira ao Maranhão para mostrar como tomar medidas de socorro à população, defende mudança nos procedimentos. E diz que cabe aos órgãos de fiscalização, como o Tribunal de Contas da União e dos estados, acompanhar a aplicação das verbas.

¿ A legislação não considera o sofrimento das pessoas. A burocracia torna inviável agilizar os procedimentos, não pensa nas vítimas.

Especial para O GLOBO