Título: Militar comanda com discrição e pulso forte a faxina na Infraero
Autor: Suwwan, Leila; Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 10/05/2009, O País, p. 4

Cleonilson Nicácio demite apadrinhados de políticos para modernizar estatal.

BRASÍLIA. A faxina nos quadros da Infraero, iniciada nas últimas semanas sem qualquer alarde, alçou um militar discreto e desconhecido no meio político para o centro de uma crise na base aliada, que levou o PMDB a bater diretamente na porta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A demissão gradual de apadrinhados políticos na estatal, um dos tradicionais cabides de emprego da máquina pública, levou caciques peemedebistas a defender publicamente o fisiologismo. Mas o tenentebrigadeiro do ar Cleonilson Nicácio Silva, de 61 anos, se manteve fiel ao estilo reservado e não disse uma palavra em público sobre o assunto.

Em junho, ele deve completar uma das mais curtas presidências na empresa, mas também uma das mais eficientes. Entre os funcionários, a gestão de Nicácio já ganhou um lema épico, quase um slogan militar: ¿Seis anos em seis meses¿. O alagoano chegou à Infraero em agosto de 2007 como diretor de Operações, quando os aeroportos ainda amargavam o trauma dos repetidos episódios da crise aérea.

Assumiu a presidência em dezembro de 2008.

Estatal faz PDV e plano de cargos

Seu nome foi apresentado como a ¿solução operacional¿ para a estatal, cuja marca eram as imagens de milhares de passageiros amontoados, desamparados e frustrados nos saguões dos terminais. Além da crise de imagem, a empresa já estava apelidada de ¿caixa-preta¿ e foi alvejada em duas CPIs no Congresso.

Entre pequenas falhas administrativas e fraudes milionárias em contratos de obras e compras, a reputação da Infraero estava em frangalhos. Mas o loteamento político de diretorias e cargos comissionados também estava com os dias contados, anunciavam as autoridades.

Quando o ministro Nelson Jobim (Defesa) trocou o comando da Infraero, em agosto de 2008, com o lema ¿faça ou saia¿ na posse de Sergio Gaudenzi, Nicácio assumiu a diretoria de Operações para ser o verdadeiro homem-forte da empresa.

Com boa reputação na Força Aérea, foi escolhido por Jobim e pelo comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, para resgatar o funcionamento técnico da empresa.

Por um ano e meio, ele fez isso.

Com outros seis meses no comando geral da empresa, pretende deixá-la pronta para a abertura de capital e retornar à FAB como o ¿quatro-estrelas¿ mais bem posicionado para ser o próximo comandante.

Enquanto Gaudenzi, ex-deputado, fazia malabarismos políticos, sem sucesso, para impedir mais avanços fisiológicos na estatal ou fazer valer sua visão contrária à privatização de aeroportos, Nicácio pôs ordem na casa. Os índices de atrasos de mais de uma hora, que chegaram a quase 50% dos voos, estão hoje em seu menor patamar de dois anos: somente 6,9% dos voos atrasaram mais de meia hora no mês passado.

O alagoano de hábitos austeros ¿ não fuma nem bebe ¿ é conhecido pelo rigor, por análises metódicas, tenacidade, fala baixa e apreço pela lealdade de eficiência. ¿E tem muita autoridade, as pessoas morrem de medo dele¿, conta uma fonte próxima. ¿É muito sério, quase tímido. Mas também obstinado nas tarefas¿, relata outro. Antes da Infraero, pôs no currículo o comando do VII Comar (Comando Aéreo Regional na Amazônia) e do Estado-Maior de Defesa.

Além disso, foi piloto de caça de bombardeio e helicóptero, e voou com os presidentes Ernesto Geisel, João Figueiredo, Fernando Collor e Itamar Franco no Grupo de Transporte Especial (GTE). Nicácio também é ¿01 de turma¿, ou seja, primeiro colocado nos cursos qualificatórios.

Nicácio é formado em administração pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e visto como um verdadeiro executivo do setor.

Ao chegar à presidência da estatal, promoveu quadros técnicos da casa aos postos de chefia e avançou na implementação do novo estatuto da empresa. Uma das primeiras medidas foi o rodízio de executivos. Na iniciativa, contam fontes, não havia muito modernismo empresarial ¿ ao trocar as pessoas de lugar, desmontaria e preveniria qualquer esquema irregular em postoschaves, prática que já estava quase endêmica.

O militar ganhou recentemente o título de ¿sócio benemérito¿ da associação de servidores, antes aguerrida reivindicadora de aumentos. Para enxugar os quadros, lançou um Plano de Demissão Voluntária (PDV) para funcionários com mais de 45 anos de idade e dez de casa e espera cerca de 1.200 adesões, a um custo de R$ 171 milhões. O retorno financeiro é esperado em um ano. Para os que ficarem, a empresa terá o primeiro Plano de Cargos e Salários (PCS).

E, agora, começou a demissão dos apadrinhados, que, um por um, foram recebendo cartas de agradecimento pela atuação passada. A Infraero já exonerou 25 funcionários de cargos comissionados, entre eles parentes ou protegidos do senador Romero Jucá (PMDB-RR), do deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), do ministro José Múcio (PTB-PE), do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) e do ex-deputado Leur Lomanto (PMDB-BA). Estão na linha de corte outros 81, de um total de 106 postos ainda preenchidos sem concurso. Os salários variam de R$ 3,5 mil a R$ 12 mil.

Ele conta com o apoio de Jobim e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para aprumar a Infraero.

A duração da faxina, quando ele já estiver de volta à FAB, vai depender do poder de fogo do PMDB, que, em público, transformou a indignação em críticas sobre o modo como as demissões foram feitas. Porém, o partido já parte para ameaças veladas de instalação de CPI e desgaste eleitoral em 2010.