Título: Manobra bilionária
Autor: Alvarez, Regina; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 10/05/2009, Economia, p. 25

Petrobras deixou de recolher R$ 4,3 bi em impostos pelos cálculos da Fazenda

Um artifício permitiu à Petrobras compensar R$ 4,38 bilhões em tributos, que deixaram de ser pagos entre dezembro de 2008 e março deste ano.

Essas compensações contribuíram fortemente para derrubar a arrecadação federal no período e colocaram a estatal na mira da fiscalização da Receita Federal. Os créditos são resultado de uma mudança no regime de recolhimento de impostos feita pela Petrobras no segundo semestre do ano passado ¿ auge da crise cambial.

Na visão de técnicos da área econômica e tributaristas ouvidos pelo GLOBO, o recurso utilizado pela empresa para pagar menos impostos não se sustenta na legislação tributária.

A estatal vinha recolhendo, pelo regime de competência, os tributos sobre ganhos decorrentes da variação cambial incidente sobre seus ativos no exterior. Trocou para o regime de caixa no segundo semestre, aplicando o novo sistema sobre todo o exercício de 2008, de forma retroativa, o que resultou em créditos de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), compensados, a partir de dezembro, no recolhimento de PIS/Cofins e da Cide (contribuição que incide sobre combustíveis).

Para tributarista, mudança deve ser só no exercício seguinte A Petrobras alega que, ao fazer a alteração no regime de recolhimento de impostos, baseou-se na medida provisória (MP) 2158-35, de 2001, e na Instrução Normativa 345/2003, da Receita.

Três tributaristas reforçaram a interpretação da legislação feita por técnicos da área econômica. Estes, por razões óbvias, preferem não se identificar. Mas todos entendem que a mudança de regime não poderia ter sido feita no segundo semestre, retroativa ao início do exercício.

O tributarista Hiromi Higuchi, autor do livro ¿Imposto de Renda das empresas¿, prefere não se manifestar sobre o caso da Petrobras, mas reforça o que determina a MP 2158-35/2001: ¿ Se uma empresa recolhe pelo regime de competência no primeiro trimestre, teria que adotá-lo para todo o exercício. A opção do primeiro trimestre vale para todo o ano e só pode mudar no exercício seguinte.

Segundo o diretor Financeiro da Petrobras, Almir Barbassa, a decisão foi tomada antes ¿ ele não quis precisar o momento ¿, mas a mudança no regime só foi feita no quarto trimestre de 2008 porque a empresa demorou para fazer a transição de um regime para outro: ¿ A implementação foi feita quando ficou pronto o novo sistema.

A Receita constatou que, no primeiro trimestre deste ano, outras empresas fizeram compensações de impostos, que, no total, chegaram a R$ 12,4 bilhões, superando em 40% o montante apurado no mesmo período de 2008, o que chamou a atenção dos fiscais. As empresas cujas compensações aumentaram muito passaram a ser acompanhadas mais de perto pelo Fisco.

Entre os técnicos, há a desconfiança de que companhias estejam utilizando créditos fictícios num momento em que enfrentam problemas de caixa por causa da crise financeira mundial, numa manobra que seria corrigida mais para a frente, a tempo de não serem flagradas pela fiscalização. As empresas sabem que a Receita demora até cinco anos para analisar essas compensações.

No ano passado, foram examinadas as compensações de 2003, 2004 e 2005. Este ano, a previsão é de análise de 2006 e 2007. Nesse ritmo, apenas em 2010 o Fisco examinaria as compensações de 2008 e 2009.

¿ A estratégia das empresas seria ganhar tempo para pagar os impostos ou mesmo para aguardar programas especiais de parcelamento, que acabam sendo feitos pelo governo periodicamente ¿ disse um técnico.

Arrecadação menor da Cide preocupa estados como São Paulo As compensações feitas pela Petrobras no recolhimento de PIS/Cofins e da Cide derrubaram a arrecadação desses impostos no primeiro trimestre, provocando um efeito colateral: a revolta dos estados que perderam recursos para investimentos em estradas.

A arrecadação da Cide é dividida entre a União e os estados e foi criada para financiar a construção e a recuperação de estradas.

No primeiro trimestre, a arrecadação dessa contribuição teve uma queda de R$ 1,86 bilhão, 94,13% a menos que em 2008, sendo a Petrobras responsável por 52,5% dessa redução. Já o recolhimento de PIS/Cofins, no mesmo período, caiu R$ 3,7 bilhões, e a estatal foi responsável por 66% do recuo.

Os estados mais preocupados com a redução da Cide são Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Ceará. O repasse de recursos para São Paulo, que era de R$ 88 milhões por trimestre em 2008, passou para R$ 5 milhões em 2009.