Título: Herança maldita
Autor: Pires, Adriano
Fonte: O Globo, 12/05/2009, Opinião, p. 7

Aproveitando o Dia do Trabalho, o presidente Lula voltou a colocar as descobertas do pré-sal no palanque. O evento lembrou aquele do final de 2007 quando foi anunciada a descoberta de Tupi e onde o presidente afirmou que com as receitas do pré-sal seriam equacionadas as dívidas sociais do Brasil. Durante os primeiros nove meses de 2008 o pré-sal foi o assunto da moda. Só se falava no pré-sal, todos conheciam, todos tinham a solução e todos sabiam onde buscar os recursos e como aplicar essa riqueza. De lá para cá muitas coisas mudaram e a principal foi a queda do preço do barril de petróleo de US$150 para os atuais US$50. Em função disso, a partir de outubro passado o governo retirou o pré-sal do palanque. Também a divulgação das mudanças no marco legal do setor de petróleo vem sendo adiada pela comissão interministerial desde o início de 2008. Agora temos o retorno do pré-sal ao palanque, o que é uma pena. E propostas técnicas concretas visando a transformar o pré-sal em riqueza para o país nada.

No campo da infraestrutura, mais do que em qualquer outro, o governo do presidente Lula é campeão mundial em marketing e lanterninha em fazer acontecer. Durante todo o primeiro mandato e em grande parte no segundo, o governo insistiu no modelo de parceria público-privada para aumentar os investimentos em estradas. Somente agora no final do segundo mandato é que resolveram retornar ao modelo das concessões, com alterações, mas o modelo é o de concessões precedido de licitações. No setor de petróleo, ministros e assessores do presidente insistem, não sei se por teimosia ou ideologia, em alterar o atual modelo de concessões, que só obteve sucessos, propondo a criação de uma nova estatal e o modelo de partilha de produção. Nunca é demais lembrar que com o atual marco legal a Petrobras alcançou recordes de produção e lucro. Investiram no país cerca de 71 empresas privadas, o país tornou-se auto-suficiente e o campo de Tupi foi descoberto. O atual regime jurídico das concessões dá maior garantia aos investidores, permite parcerias e é o mais transparente no que se refere a captação e distribuição da renda petrolífera que fica em poder do Estado brasileiro. Sendo esse regime jurídico o mais adequado, não tem o menor fundamento econômico nem tampouco estratégico a criação de uma nova empresa estatal. A única motivação que enxergamos é a política. Com a estatal o governo teria mais liberdade de gastar a riqueza do pré-sal em projetos políticos. Quando o governo afirma que se baseia no modelo da Noruega para a criação da nova estatal, tenta nos seduzir com um exemplo de país que possui uma realidade que todos desejamos para o Brasil. No entanto, as declarações lembram mais o modelo venezuelano do que o norueguês.

Para usar uma expressão tão grata ao atual governo, o próximo herdará uma grande herança maldita no setor de infraestrutura. Não adianta falar de pererecas inviabilizando viadutos, que o Brasil é maior do que a Petrobras, que está com pressa da entrega das sugestões de modificações no atual marco legal do petróleo. O fundamental é descer do palanque e fazer acontecer. E isso não está acontecendo. O governo perdeu a grande oportunidade dada pelo período de enorme crescimento mundial de atrair capitais privados e com isso modernizar todo o setor de infraestrutura. Simplesmente por motivos de ordem ideológica. O que o ministro Palocci fez de maneira pragmática e correta na área econômica mantendo e aperfeiçoando o legado do governo anterior, outros ministros tentaram inventar a roda, colocando a ideologia à frente da racionalidade econômica, e só não vieram os apagões pelo fato de a economia brasileira ter apresentado taxas de crescimento inferiores à maioria dos demais países. Ou seja, foi a contração da demanda e não a expansão da oferta que nos salvou dos apagões nos setores de infraestrutura.

O pré-sal é uma ótima notícia, pois pode transformar o país num exportador de petróleo e gás natural. Aliás, o Brasil hoje é um dos mais bem posicionados em energia. Temos geração elétrica baseada em imensos recursos hídricos, somos grandes produtores de etanol e possuímos características para ser o mais importante produtor de biocombustíveis - e agora com o pré-sal poderemos ter uma posição estratégica no mercado de petróleo e gás natural. O que falta são políticas públicas consistentes, que forneçam sinais econômicos corretos tanto para investidores quanto para consumidores.

ADRIANO PIRES é diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura.