Título: Contestação oficial
Autor: Beck, Martha; Alvarez, Regina
Fonte: O Globo, 12/05/2009, Economia, p. 19

Receita e Fazenda condenam decisão tomada pela Petrobras para pagar menos impostos.

Após a Petrobras montar uma operação de guerra para defender o artifício contábil usado em 2008 que rendeu à estatal mais de R$4 bilhões em compensações fiscais, a Receita Federal e o Ministério da Fazenda contestaram, ontem, a estratégia da estatal de mudar o regime de recolhimento de impostos no meio do ano. A mudança contábil foi revelada pelo GLOBO no domingo.

Em entrevista coletiva do presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, e do diretor financeiro, Almir Barbassa, e posteriormente em nota oficial, a companhia afirmou que mudou o regime tributário de 2008 - de competência para caixa - em meados do ano passado e que estava autorizada a fazê-lo pela medida provisória (MP) 2158-35/2001. Porém, no início da noite, a Receita divulgou nota para esclarecer que a mudança não pode ser feita nesses termos: "Caso o contribuinte tenha iniciado o ano-calendário escolhendo um dos dois regimes (caixa ou competência), esta opção deve ser observada para todo o ano, não sendo permitida a alteração de critério no decorrer do ano-calendário".

Não foi o único desmentido a que a direção da estatal foi submetida. Gabrielli, na entrevista, afirmou que a Petrobras não era culpada pela queda de quase 90% nos repasses da Cide (contribuição que incide sobre combustíveis) para estados e municípios. Ele afirmou que os repasses do Tesouro Nacional deveriam ser feitos com base no imposto devido, e não pelo que efetivamente entrou no caixa da União nessa rubrica. O Tesouro discorda.

Os técnicos informaram que os repasses são calculados com base no dinheiro que entra efetivamente nos cofres públicos. Segundo a lei 10.336, de dezembro de 2001, que criou a Cide, e a própria Constituição, no artigo 159, o repasse do imposto sobre combustíveis deve ser feito com base no produto da arrecadação.

Para defender a estatal, Gabrielli, em tom agressivo, citou uma famosa canção de Chico Buarque:

- Estamos absolutamente tranquilos. Penso que a Petrobras é como a Geni: gosta-se muito de bater nela.

Desde a mudança na sistemática de cálculo de impostos, a Petrobras já fez compensações de mais de R$4 bilhões. Os créditos, abatidos do pagamento de PIS/Cofins e Cide, foram obtidos depois que a estatal refez suas contas de forma retroativa ao início de 2008. A empresa recolhia impostos sobre ganhos decorrentes da variação cambial incidentes sobre seus ativos no exterior pelo regime de competência. Com a troca para o regime de caixa, ela conseguiu crédito do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).

Segundo Gabrielli e Barbassa, a Petrobras informou à Receita que trocaria o regime no meio do ano passado, ao entregar a DIPJ (Declaração de Informações Econômico Fiscais da Pessoa Jurídica). Mas a nota faz referência a 2009: "Essa opção (de regime) é formalizada, anualmente, no momento em que a Petrobras entrega a DIPJ. Para o exercício de 2008, essa entrega ocorrerá apenas em 30 de junho de 2009".

- Existe uma regulamentação da Receita que diz que essa escolha é feita num documento entregue em meados do ano, a DIPJ. Foi feita absolutamente dentro da lei. No quarto trimestre ficou pronta a mudança necessária para implementar essa alteração que requer um ajustamento de todo o sistema de processamento tributário da Petrobras - afirmou Barbassa.

- Houve a opção da Petrobras, como acontece com todas as empresas, de alterar a forma de contabilizar seus elementos tributários - disse Gabrielli, esclarecendo que a troca ocorreu no último trimestre.

Segundo ele, a mudança foi feita devido à forte volatilidade do mercado financeiro no ano passado:

- O câmbio se alterou. A situação cambial se alterou. O movimento de câmbio se alterou. A situação internacional se alterou. É exatamente para viabilizar esse ajuste (na tributação) a mudanças da realidade que a lei (MP) existe.

Ele refutou qualquer ilegalidade:

- É uma mudança tributária e não contábil. É absolutamente mentirosa qualquer insinuação de que haja manipulação, manobra ou artifício contábil.

Barbassa arrematou:

- Há muito escândalo, muita fumaça e pouca realidade.

No primeiro trimestre de 2009, os estados e municípios receberam R$28 milhões de repasses da Cide, quando a previsão era de R$268 milhões. A queda é de 89,5 % em relação à estimativa dos estados e foi provocada em grande parte pelas compensações da Petrobras. A estatal deixou de pagar R$980 milhões no primeiro trimestre deste ano. Mas Gabrielli transferiu ao Tesouro este ônus:

- Isso é a lei. Se eu deixo de desembolsar dinheiro para liquidar Cide porque eu tenho um crédito do IR isso não muda o direito do estado de receber o dinheiro. É uma questão de gestão do caixa do Tesouro.

No Ministério da Fazenda, a entrevista colocou a cúpula em uma saia justa, já que o presidente da Petrobras jogou para o Tesouro a responsabilidade pela queda na Cide, insinuando que o Tesouro teria repassado aos estados e municípios menos recursos do que a lei determinaria.

Depois de reuniões internas, a decisão foi desmentir Gabrielli nos bastidores, sem assumir uma posição oficial para não desgastá-lo ainda mais. Ainda durante a tarde, a assessoria do presidente da Petrobras foi informada de que ele se equivocara na entrevista pela manhã sobre as regras da Cide.

O procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) Marinus Marsico concluiu a documentação e apresenta hoje ao presidente do tribunal um pedido para investigar as contas da Petrobras. Ele destaca que as compensações, baseadas em um artifício fiscal, prejudicaram a arrecadação federal e as contas públicas, além de estados e municípios.