Título: Poupança tributável
Autor: Doca, Geralda; Beck, Marha
Fonte: O Globo, 14/05/2009, Economia, p. 17

Projeto do governo cria IR para cadernetas com saldo acima de R$ 50 mil em 2010

O governo anunciou ontem que enviará ao Congresso Nacional uma proposta instituindo, a partir de 2010, a cobrança de Imposto de Renda (IR) sobre parte dos rendimentos dos depósitos em caderneta de poupança acima de R$ 50 mil. A tributação, se aprovada, obedecerá a uma intrincada equação, estará diretamente ligada ao comportamento da Taxa Selic e só ocorrerá se os juros ficarem abaixo de 10,5% ao ano. A Selic está hoje em 10,25%. A alíquota de IR que vai incidir sobre o rendimento será a mesma que o contribuinte já paga sobre as demais fontes de renda, como o salário. A tributação abrangerá um contingente muito pequeno de poupadores ¿ 894.856 pessoas, ou menos de 1% das 89,9 milhões de contas ativas no país. Mas eles representam um total de 41% do estoque de dinheiro depositado na caderneta, que ultrapassa os R$ 270 bilhões e é a principal fonte de financiamento da casa própria.

Foi uma solução paliativa diante da resistência do Palácio do Planalto em mudar a fórmula de rendimento às vésperas de um ano eleitoral. O governo desistiu temporariamente de mexer na remuneração, que fica em Taxa Referencial (TR) mais 0,5% ao mês. Também ficam mantidos a garantia de depósitos até R$ 60 mil e a proibição de cobrança de taxa de administração.

¿ Poderíamos aproveitar esta oportunidade para fazer uma simplificação nos cálculos do redutor da TR. Mas a conclusão a que se chegou é de que, de fato, isso não se justifica em função de que uma mudança dessa magnitude deve prevalecer e, portanto, não é necessário no momento mexer na TR ¿ justificou o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles.

¿ Não estamos mexendo nas regras básicas da poupança. O objetivo é garantir que ela continue sendo o investimento mais importante para o grosso da população brasileira. Os ajustes vão no sentido de impedir que grandes investidores migrem para a poupança de modo a distorcer esse mecanismo, feito para pequenos poupadores e não para grandes investidores ¿ disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Como prevê o início de uma tributação, a medida da poupança só terá efeitos a partir de 2010. Para tornar a poupança menos atraente frente aos demais fundos de investimentos ainda este ano, o governo também reduzirá o IR sobre esses investimentos. Sem dar detalhes (que ainda estão sendo fechados), Mantega afirmou que a alíquota do imposto pode ser reduzida dos atuais 22,5% ¿ no caso dos fundos de renda fixa ¿ para 15% ou menos caso os juros continuem baixos.

¿ Se a Selic vai de 10,25% para 9,25%, nós vamos ter que reduzir o IR em 7,5 pontos percentuais, de 22,5% para 15% ¿ afirmou o ministro, lembrando que a alíquota seria restabelecida a partir de 2010 e representaria uma renúncia fiscal de R$ 2 bilhões.

As mudanças na poupança envolvem uma complicada engenharia financeira. Serão tributados apenas os rendimentos de depósitos acima de R$ 50 mil auferidos com o adicional mensal de 0,5%. O que for ganho com a TR continua isento.

Se um poupador tiver R$ 80 mil, por exemplo, só serão tributados os ganhos sobre R$ 30 mil. Há, no entanto, uma exceção: quem tem a poupança como única fonte de renda terá direito uma isenção maior, dependendo da Selic. A base de cálculo do imposto também vai variar de acordo com o nível da taxa básica de juros.

Remuneração será somada a demais rendimentos tributáveis na declaração do IR O pagamento do imposto da poupança será feito de acordo com a tabela do IR da pessoa física. Ao apresentar a declaração do IR à Receita Federal, a pessoa deverá somar os ganhos da caderneta a seus demais rendimentos e declará-los como tributáveis. Sobre esse montante, será aplicada a tabela que, em 2010, terá limite de isenção de R$ 17.989,80.

Segundo o Ministério da Fazenda, com a Selic em 9%, o rendimento líquido da poupança ficará em 6,6% para depósitos de até R$ 50 mil. O valor cairá para 6,1% em valores acima de R$ 50 mil.

Neste cenário, os fundos renderiam entre 6,1% e 5,3%, dependendo da taxa de administração.

Existe a possibilidade de um pronunciamento à nação do Executivo para explicar as mudanças. Mantega rebateu insinuações de que poderia haver confisco: ¿ Eu não sei quem levantou essa hipótese absurda de falar em confisco.

O governo deverá apresentar a medida ao Congresso por meio de um projeto de lei. Já a mudança na tributação dos fundos deve sair por meio de uma medida provisória, publicada antes da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em junho. Segundo Mantega, as alterações na tributação da poupança permitirão ao BC reduzir a Selic para até 7,25%. Meirelles jogou aos congressistas a responsabilidade sobre as condições para os juros continuem caindo: ¿ O Congresso representa a população e, portanto, tem o poder final.