Título: O presidente Lula foi mal assessorado
Autor: Suwwan, Leila
Fonte: O Globo, 16/05/2009, O País, p. 8

Brasileiro preterido para cargo de diretor da Unesco diz que egípcio escolhido pelo governo é uma quase piada.

Preterido pelo governo brasileiro na corrida pelo cargo de diretorgeral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o brasileiro Márcio Barbosa, atual diretor-adjunto da entidade, não poupa críticas ao Itamaraty e diz que o presidente Lula foi ¿mal assessorado¿. Barbosa revela sua mágoa com a situação e não descarta uma candidatura avulsa, com apoio estrangeiro. Segundo ele, o candidato apoiado pelo Brasil, o egípcio Farouk Hosni, é uma ¿quase piada¿.

Leila Suwwan BRASÍLIA

O GLOBO: Como o senhor vê a evolução do quadro da sucessão? Pensa em entrar na corrida apoiado por outros países? MÁRCIO BARBOSA: Ainda tenho dificuldade de lidar com essas questões. Por ser brasileiro, ter feito carreira no Brasil e ter dirigido um importante órgão do governo federal (o Inpe, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), imaginar hoje simplesmente ser apoiado por outro país... Fico com a sensação de que tudo o que fiz na vida não contou. Essa frustração, obviamente, está calcada no fato de ter sido preterido (pelo governo brasileiro). Mas também está calcada nos argumentos quem vêm sendo utilizados. O ministro Celso Amorim disse no Congresso que a (minha vitória na) eleição não era líquida e certa. Ora, que eleição com voto secreto é líquida e certa? Claro que não era líquida e certa, é da democracia.

E o candidato egípcio, Farouk Hosni, apoiado pelo Brasil, tem vitória líquida e certa? BARBOSA: Se eu tivesse que apostar, diria que ele (o candidato egípcio) não ganha mesmo.

Isso sim é líquido e certo: ele não ganha. Eu só tenho que concluir que isso foi feito sem base, com pouca profundidade. Dizer que o candidato egípcio tem amplo apoio dos árabes e da união africana, não é verdade. Isso me angustia. Se me disserem que o Brasil tem acordo com o Egito, entendo. Mas (dizer que vota) no Egito porque o Egito tem isso ou aquilo? Não é verdade.

O ministro Celso Amorim disse que é preciso abrir mão de disputar algumas eleições para ganhar outras. Citou a candidatura do Rio às Olimpíadas.

BARBOSA: Todo mundo adoraria ver o Rio como sede das Olimpíadas. Mas sempre achei que era o comitê olímpico e os medalhões do esporte internal cional que, baseados num dossiê, apostavam numa candidatura.

Nunca achei que isso era esforço da chancelaria.

A barganha diplomática foi um pretexto? BARBOSA: Insisto nessa questão do apoio árabe. Disseram que não há sinais de defecções no grupo árabe, mas eles têm dois candidatos, um egípcio e um algeriano. Disseram que a união africana vai apoiar, mas há dois candidatos africanos, um da Tanzânia e um do Benin. Então, os argumentos utilizados para orientar o presidente Lula não estavam corretos. O presidente foi mal assessorado.

Em que mais o presidente foi mal assessorado? BARBOSA: Já coloquei os pontos principais. Mas dizer que o candidato egípcio vai promover a aliança das civilizações... isso é quase piada. Não é para consultar a página dele, o site dele.

Consulte os outros sites. Ele realmente não pode representar uma contribuição para as civilizações.

Um pouquinho de curiosidade verificaria isso.

O senhor se refere às posições antissemitas atribuídas a ele? BARBOSA: A isso e a outras coisas. Não quero ficar atacando, não o conheço. Mas, certamente, esse candidato não é o melhor para promover a aliança das civilizações. E o Brasil tem responsabilidade porque vai organizar a reunião da Unesco.

Há espaço para recuo do governo brasileiro? BARBOSA: Não. Torço muito para isso acontecer, mas entendo a dificuldade do presidente.

Sentiu-se abandonado? BARBOSA: Eu senti a ausência.

Durante toda a caminhada, tivemos muito contato com os ministérios da Educação, da Ciência e Tecnologia, da Justiça, da Defesa, do Desenvolvimento Social.

Sempre ouvi deles as maiores considerações sobre a importância de uma candidatura brasileira. Eles agora não falam mais? Entendo que, depois que o governo se posiciona, fica difícil um ministro falar. Mas, antes da decisão, talvez eles pudessem ter dado informações ao presidente.

Bato na tecla que o presidente tomou essa decisão sem ser devidamente informado.

O candidato egípcio tem causado muita polêmica.

BARBOSA: Passado o momento de perplexidade, o que está acontecendo em Paris é uma forte articulação para tentar uma alternativa. Hoje, percebendo o quadro dos candidatos já apresentados, vão trabalhar para impedir que isso aconteça.

Há alguma possibilidade de o senhor ser candidato, apoiado por outros países? BARBOSA: Não sei, tenho que analisar com muito cuidado.

Acho que uma decisão dessas exigiria que eu conversasse com o presidente Lula. Não quero atacar a decisão dele, o presidente do meu país. Só lamento, porque acho que ele foi mal informado. Mas isso não quer dizer que vá aceitar de maneira irresponsável o convite de qualquer país simplesmente para confrontar.

Não é por aí. Se evoluir para uma situação sem saída, esperarei para falar com o presidente.

Não quero ser tachado como alguém que quer abandonar a sua cidadania.