Título: Dengue se alastra pelo país e multiplica mortes em dez anos
Autor: Casado, José
Fonte: O Globo, 17/05/2009, O País, p. 3

Crescimento geográfico assusta, com mais de quatro mil cidades já atingidas pela infestação do Aedes

OBrasil perdeu a guerra contra a dengue. Fracassaram todos os programas governamentais para a erradicação do mosquito transmissor (Aedes aegypti) anunciados nos últimos 13 anos. A epidemia avançou e agora abrange uma área geográfica 2,3 vezes maior que em 1995.

A zona de risco de epidemia estava circunscrita a 1.753 municípios mapeados pelo Ministério da Saúde. Em dezembro passado, ela abrangia 4.006 cidades. Significa que a dengue passou a dominar dois terços do território nacional.

Governos já chegaram a anunciar formalmente a erradicação do Aedes aegypti. A última vez que isso aconteceu foi em 1995, quando os hospitais registraram cerca de 50 mil casos de internações. Naquele ano houve apenas duas mortes por febre hemorrágica de dengue. Mas a realidade se impôs à propaganda oficial nos seis anos seguintes com um avanço da doença: em 2002 foram 697,9 mil doentes e 150 mortos. Uma nova escalada epidêmica começou em 2005.

O país convive com 2.040 novos casos de dengue por dia - mais de um por minuto, na média desde janeiro. Contaram-se 226,5 mil nos primeiros cem dias.

A boa notícia é que esse número é 49% abaixo do registrado em igual período do ano passado, calcula o Ministério da Saúde.

A má notícia é que a velocidade de propagação da doença se mantém duas vezes e meia acima do que ocorria no início da década. A cada 48 horas um brasileiro ingressa na fria estatística governamental de "óbitos por dengue". Foram 46 nos primeiros cem dias. Ou seja, morre cinco vezes mais gente por dengue no Brasil de hoje do que há uma década.

Pode piorar: o governo admite ser uma questão de tempo a chegada de um novo e mais perigoso vírus (conhecido como sorotipo Dengue-4) que predomina na Venezuela, país com o qual se mantém um fluxo anual de 35 mil pessoas em trânsito, por aviões.

- Quando há introdução de um determinado vírus numa população suscetível, você tem a ocorrência de epidemia de grande magnitude - diz Giovanini Coelho, chefe de Vigilância Epidemiológica e coordenador do Programa Nacional de Controle da Dengue no Ministério da Saúde, em audiência no Senado.

Dois fatores são determinantes na vulnerabilidade do país à dengue, explica: a frágil infraestrutura ambiental e a quase nula integração de órgãos estaduais e municipais em ações preventivas.

As condições para a proliferação do mosquito transmissor da doença são bastante favoráveis porque apenas 48,9% das residências em todo o país têm acesso à rede de água potável e de esgoto. Além disso, não há destino adequado para o lixo em 63% dos municípios - as prefeituras mantêm lixões a céu a aberto - e um terço do lixo produzido pelos brasileiros (cerca de 125 mil toneladas/dia) se concentra em 13 cidades com mais de um milhão de habitantes.

- A limpeza é fundamental - argumenta Coelho. - Por isso, é necessário que os gestores de saúde, principalmente nos municípios, tenham uma ação articulada com as outras áreas, inclusive a financeira. A boa notícia é que temos exemplos de integração administrativa que estão dando certo, como é o caso de Belo Horizonte e Campinas.

A Bahia, neste início de ano, é o exemplo de que a epidemia não acontece por acaso. De cada três novos brasileiros que adoeceram por dengue nos cem primeiros dias, um residia em cidades baianas.

O estado concentra apenas 4% da população nacional e deixou acontecer a propagação por larvas do mosquito em 70% dos municípios. Pelas normas sanitárias, quando a média de infestação do mosquito da dengue supera 1% dos domicílios, a cidade passa a ser considerada zona de risco.

Itabuna, por exemplo, é hoje área de alto risco. A média de infestação no município (sobretudo em caixas d"água, tambores, tonéis, poços, etc) se multiplicou por cinco, entre 2007 e 2008. Chegou a 15,6% dos imóveis da cidade. É alta, também, a média de Salvador (3,6% das residências). Resultado: a Bahia começou 2009 enfrentando um altíssimo nível de letalidade (9,4% dos casos) por febre hemorrágica de dengue.

Há um componente político relevante na epidemia baiana, comum no restante do país, observam técnicos do Ministério da Saúde e do Tribunal de Contas da União - órgão que desde 2007 mantém auditorias específicas sobre os gastos com dengue nos municípios: as ações de prevenção costumam ser interrompidas, ou descontinuadas, em períodos de transição de governos. Enquanto isso, o Aedes aegypti avança.