Título: Recuperação e mudanças climáticas
Autor: Palocci, Antônio
Fonte: O Globo, 17/05/2009, Opinião, p. 7

Há uma polêmica em curso, em diferentes países, sobre os efeitos das políticas para as mudanças climáticas na recuperação econômica. Algumas autoridades econômicas alegam que políticas ativas de redução de emissões de carbono imporiam custos de difícil absorção num movimento de recuperação ainda cercado de dúvidas. Com a elevação dos gastos com pesquisas de novos materiais, incentivo a combustíveis renováveis, preservação de florestas e outros mecanismos de redução de carbono, estaríamos, de acordo com essa visão, impondo travas adicionais ao ciclo econômico, em detrimento de um crescimento mais desregulamentado e mais acelerado.

Uma discussão mais a fundo parece, no entanto, não dar sustentação a essa tese. O fato é que, mesmo ficando nos cálculos econômicos de curto prazo, há evidências razoavelmente sólidas de que um sistema de incentivos a uma economia menos dependente do carbono poderia trazer mais benefícios do que obstáculos à recuperação econômica.

Para uma visualização prática da questão, podemos considerar três exemplos de políticas de redução de carbono: o sistema de limite e comércio de emissões, conhecido como cap and trade; o incentivo à pesquisa e à produção de combustíveis renováveis; e os programas de pagamento por serviços ambientais (PSAs). Uma breve reflexão sobre eles pode trazer alguma luz.

O sistema cap and trade deverá trazer, sim, um aumento de custo para todas as atividades que dependam da queima de combustíveis fósseis. Seria ingenuidade afirmar o contrário. Mas o estabelecimento desse sistema com prazos razoáveis de implantação e com metas progressivas pode, no curto prazo, incentivar as melhores empresas a realizarem inovações e investimentos em novas plantas de menor emissão e em sistemas de sequestro de carbono, entre outros.

Seria um saudável incentivo ao investimento, que se encontra praticamente paralisado pelo excesso de capacidade instalada num mundo que passou a consumir bem menos. A Petrobras, mesmo na ausência de normas impositivas, tem feito projetos promissores de sequestro de carbono. Com custos, claro. Mas são as empresas que se colocam à frente de seu tempo que vão colher os melhores frutos no futuro.

Já o incentivo à pesquisa e à produção de combustíveis renováveis também implica custos. Nos primeiros anos do Proálcool, chegou-se a pensar que o programa dependeria eternamente de subsídios governamentais. Hoje, o etanol carburante de cana disputa com os combustíveis fósseis tanto no terreno ambiental como no econômico.

E com os motores flex o consumidor pode optar a cada dia pelo combustível mais barato. Este é um excelente exemplo de programa com custos iniciais importantes, revertidos em ganhos permanentes para as divisas do país, a saúde da comunidade e o bolso dos consumidores.

O terceiro exemplo - dos programas de pagamento por serviços ambientais - conta com poucas experiências no mundo. No Brasil, há projetos tramitando no Congresso e o estado do Amazonas saiu na frente, com um PSA de grande valor para a população rural de baixa renda e para a preservação da floresta amazônica. É um tipo de Bolsa Família, com a contrapartida dos serviços de preservação ambiental. Vale a pena conhecê-lo para compreender o ganho econômico e social que ele gera.

Um debate dessa natureza exige estudos mais profundos. Mas a observação de experiências em andamento e histórias recentes mostra que a introdução de mecanismos diversificados de redução de carbono, embora sempre signifique algum custo inicial, pode levar a ganhos econômicos importantes a médio e longo prazo.

A preservação do planeta já deveria ser motivo suficiente para trabalharmos por uma iniciativa nesse campo. Mas, do ponto de vista estritamente econômico, os ganhos também existem. Inclusive incentivando, pela via da inovação tecnológica, a retomada do crescimento nas economias mais desenvolvidas, hoje em recessão. Somente lideranças obscuras e descoladas do nosso tempo poderiam negligenciar esse desafio.

ANTÔNIO PALOCCI é deputado federal (PT-SP) e foi ministro da Fazenda.