Título: O Orçamento é uma folha de pagamento
Autor: Velloso, Raul
Fonte: O Globo, 19/05/2009, Opinião, p. 7

Graças ao modelo de aumento dos gastos correntes (todos, exceto investimentos) baseado na Constituição de 1988 e seus desdobramentos, itens que respondem hoje por não menos que 85% do gasto federal (previdência, pessoal, assistência e saúde) crescem quase sempre acima do PIB. Pasmem: parcela não inferior a 76% do total se refere a pagamentos diretos a pessoas. Ou seja, o Orçamento federal é uma grande folha de pagamento. Está implícita regra que manda aumentar os pagamentos individuais pelo menos de acordo com a inflação (alguns, c o m o o ¿s a l á r i o m í n i m o ¿ , b e m mais), e o número de contemplados com esses pagamentos cresce quase à vontade (inclusive com a ajuda do envelhecimento da população).

De acordo com o trabalho que Marcos Mendes, Marcelo Caetano e eu estamos levando ao Fórum Nacional, não há como conciliar crescimento alto do PIB e tal modelo, em que um número muito grande de pessoas é funcionário ou beneficiário de alguma bolsa. Num sistema como esse, os superávits fiscais necessários para controlar a dívida e evitar crises de liquidez e solvência pública não se sustentam, pois há limites para o aumento da receita acima do PIB e para a queda dos investimentos, hoje ainda no fundo do poço. Mesmo com superávits altos, o gasto público cresce tanto que não há como conciliar gasto corrente e o investimento privado requerido para a economia crescer a taxas mais altas. A consequência é inflação e déficits externos. Como quase sempre é preciso mexer na Constituição (responsável pelo modelo em vigor), a saída é ir flexibilizando o sistema aos poucos.

Em crises como a atual, os resultados fiscais pioram automaticamente, pois a arrecadação cai de imediato, e as pressões por ajuda pública aumentam.

Em virtude da queda do PIB, as condições de liquidez/solvência pioram rapidamente, podendo atingir pontos críticos. Como o gasto corrente é muito rígido e não se fez economia nos recentes anos de fartura, a pior solução é aumentá-lo, algo que para alguns pode soar como heresia, quando se sabe que ele aumenta mais rapidamente e poderia ajudar a tirar o país da crise. O problema é que, no Brasil, qualquer gasto corrente novo que surge (inclusive os que o governo acaba de fazer para lidar com a crise) tende a se eternizar. Mais adiante, quando a demanda privada (exportações etc.) puder voltar, a razão gasto corrente (rígido)/PIB terá subido muito e o Banco Central será obrigado a elevar de novo os juros para mais uma vez conter o incremento dos desembolsos privados, comprometendo a recuperação econômica.

O ideal seria que o BC tivesse liberdade para afrouxar ao máximo a política monetária, aproveitando uma oportunidade única para reduzir as gigantescas taxas de juros do Brasil. Só que, para isso se sustentar, o governo teria de se comprometer a não aumentar despesa que não pudesse ser cortada mais adiante, e retomasse o esforço de reformas constitucionais para ajustar o modelo (inviável) de uma vez por todas.

RAUL VELLOSO é consultor econômico.