Título: Lula ataca empresários que fizeram trambique
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 22/05/2009, Economia, p. 21

Na Turquia, presidente critica quem especulou com apostas no dólar e diz que ex-governantes foram "medíocres"

ISTAMBUL. Inconformado com a pouca presença do Brasil no mercado da Turquia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou sua primeira visita oficial ao país para disparar críticas para todo lado: chamou de trambiqueiros os empresários brasileiros que apostaram no mercado futuro de câmbio e atribuiu a pobreza nos países pobres a governantes "medíocres" - o que colocou no mesmo bolo todos os seus antecessores. Não poupou nem Dom Pedro II, que esteve na Turquia em 1865 "e parece que não deixou saudades", disse ele.

O primeiro ataque foi para companhias brasileiras que especularam com dólar. Num discurso de improviso e acalorado para uma platéia de empresários turcos, Lula começou falando, genericamente, de pessoas que ganharam muito dinheiro "sem produzir absolutamente nada, especulando, especulando".

- Graças a Deus, a máscara caiu. Falo com sinceridade com vocês. Temos um sistema financeiro sólido. Mas o que descobrimos com a crise é que alguns empresários brasileiros estavam aplicando nos chamados derivativos. Ou seja, já não se contentavam de ganhar o que estavam ganhando. E acharam que era possível ganhar um pouco mais, fazendo trambique.

Estima-se que 200 empresas brasileiras apostaram nesses contratos, que são negociados na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) com base nas projeções para outros mercados, como o de ações, câmbio ou juros. Exportadoras e importadoras costumam usá-los para se protegerem da oscilação do dólar. Algumas empresas especularam e investiram além do que seus estatutos permitiam. Com a forte e rápida desvalorização da moeda a partir de setembro de 2008, diante do agravamento da crise, essas companhias tiveram as finanças gravemente atingidas.

A Sadia, por exemplo, perdeu R$2,6 bilhões e a Aracruz, US$2,13 bilhões. Para sobreviver, as duas tiveram que se fundir a concorrentes, com ajuda do BNDES e de fundos de pensão de estatais. A Aracruz foi comprada pelo grupo Votorantim por R$5,4 bilhões em janeiro, e o banco de fomento entrou com R$2,4 bilhões. A Sadia se uniu esta semana à Perdigão, sendo que fundos liderados pela Previ (Banco do Brasil) têm quase 20% da nova empresa, a Brasil Foods. O BNDES poderá entrar no futuro aumento de capital .

"Nunca se ganhou tanto dinheiro"

Sem citar nomes, o presidente contou aos turcos que "algumas empresas importantes" tiveram problemas sérios por isso:

- Coisa que não era necessária! Porque se tem uma coisa que nenhum empresário brasileiro pode se queixar nos meus seis anos de mandato é que nunca se ganhou tanto dinheiro quanto no meu governo.

Na entrevista a jornalistas que concedeu após o discurso, Lula tentou minimizar os ataques a empresários:

- Os empresários brasileiros estão aprendendo ao longo do tempo a fazer negócio. Se você imaginar o que era visita empresarial há 20 anos atrás e agora você vai perceber que houve uma evolução extraordinária dos nossos empresários. Esta crise econômica surge, na verdade, do trambique do sistema financeiro. Esta crise surge da especulação. Os bancos não quebraram porque emprestaram dinheiro a uma indústria que quebrou e não pagou o banco. Eles quebraram porque estavam especulando.

Ainda no discurso, Lula não poupou nem a Petrobras, quando disse que a empresa "finalmente resolveu prospectar petróleo na Turquia".

- Deus queira que encontre petróleo para o bem do povo da Turquia e para o bem da Petrobras, porque aí ela vai perceber que não precisa ter medo de fazer investimento e prospectar em outro país.

O presidente insistiu várias vezes no discurso de que a globalização e a crise exigem mais agilidade, tanto dos empresários quando dos políticos. Partiu primeiro para uma crítica generalizada aos governantes atuais:

- O mundo precisa que os governantes de hoje sejam mais atuantes. Que a gente não tenha que ter medo. A Turquia não tem que ter medo do Brasil, o Brasil não tem que ter medo da Turquia, da China. A China não tem que ter medo do Brasil.

Depois, voltou a criticar governantes:

- A nossa pobreza se deve muitas vezes à mediocridade de quem nos governou durante tantos anos e não agiu com a grandeza de um chefe de uma nação tem que agir. Brasil e Turquia têm um potencial extraordinário e acho que não exploramos 10% do potencial.

Ninguém escapou. Celso Amorim, o ministro das Relações Exteriores, também levou puxão de orelha, quando o presidente cobrou, na frente da platéia, que ele agilize a comissão mista Brasil-Turquia, que existe desde 1995, mas nunca se reuniu:

- Portanto, ministro Amorim, vamos fazer esta comissão acontecer ainda em 2009, sob o calor da minha visita. É preciso fazer acontecer.

Turco reclama de barreiras

Lula contou para a platéia de que no Brasil, chama-se de "turco" o sujeito que bate na porta para vender qualquer coisa.

- No Brasil tem uma coisa que vocês precisam conhecer. Apareceu alguém vendendo algo na porta de um brasileiro, ele sabe que é um turco que está vendendo. Qualquer vendedor que for vender um produto na casa das pessoas prontamente é chamado de turco. Eu não sei se é turco nascido em Istambul ou no tempo do Império Otomano, nascido na Arábia Saudita ou no Líbano.

E conclamou os empresários turcos a virem ao Brasil para fazer jus à fama de bons comerciantes. Empolgado, ele escorregou nas palavras e disse que o Brasil "é um país que tem 17 milhões de quilômetros de fronteira". O correto é 17 mil.

Aykut Eken, da associação de indústrias da Turquia, chamada Deik, queixou-se de barreiras no Brasil aos produtos turcos:

- Precisamos desmantelar barreiras e, para isso, no seu país, precisamos da sua ajuda.

Lembrando que, no comércio de US$1,3 bilhão entre Brasil e Turquia, os brasileiros vendem bem mais (dois terços), o turco cobrou:

- Para dançar o tango, é preciso duas pessoas. Faça sua parte, e nós faremos a nossa.

Lula pediu para a imprensa brasileira "viajar um pouco" e escrever sobre Istambul:

- A primeira imagem que eu tinha de Istambul era do filme Expresso Oriente. Faz muitas décadas que queria vir aqui.

Comentando a viagem à China, Lula afirmou, na entrevista a jornalistas, que foi uma "coisa extraordinária" num momento de crédito escasso o Brasil ter conseguido um empréstimo de US$10 bilhões para a Petrobras:

- A hora em que a gente começar a vender carne para a China e cada chinês comer um bifinho de manhã vamos ter um mercado extraordinário para vender nossos produtos. Eu não posso esperar que sejam eles que tenham vontade de comprar da gente, nós é que temos que ir lá e forçar para vender - disse.

O presidente encerra sua visita à Turquia hoje, em Ancara, a capital, onde vai se encontrar com o presidente do país, Abdullah Gul.