Título: Governo inicia cerco às empresas de cartões
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 01/04/2009, Economia, p. 12

Regulação

Estudo mostra setor concentrado, com alta rentabilidade em relação ao risco do negócio e lentidão para repassar pagamentos aos lojistas

O governo deu ontem mais um passo para regulamentar o setor de cartões de crédito e débito, considerado excessivamente concentrado e fechado para novos competidores. O Banco Central (BC), a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e a Secretaria de Assuntos Econômicos (Seae) fizeram um exaustivo diagnóstico do segmento, apontando uma série de distorções. Entre elas, estão a rentabilidade muito alta em relação ao risco que a atividade proporciona, a demora em repassar os recursos aos lojistas e indícios de abuso do poder econômico. O estudo, colocado ontem na página do BC na internet para colher sugestões, deve servir como base para a elaboração de novas regras, embora a cúpula do próprio BC resista à ideia de apertar a supervisão sobre o ramo.

Em entrevista para divulgar o trabalho, o diretor de Política Monetária, Mário Torós, evitou a todo custo usar a palavra ¿regulamentação¿. ¿Não há decisão sobre isso ainda. Depois do período de sugestões e críticas, que vai durar 90 dias, discutiremos quais são as medidas para aperfeiçoar o setor e torná-lo mais eficiente¿, preferiu dizer. O recado do chefe do Departamento de Operações Bancárias e Sistemas de Pagamento (Deban) do BC, José Antônio Marciano, foi bem mais duro. ¿Com esse estudo, estamos avisando ao setor: vimos e não gostamos¿, disse, depois que Torós havia deixado a sala. O diretor chegou a interromper a secretária-adjunta da SDE, Ana Paula Martinez, quando ela estava prestes a responder a uma pergunta sobre os supostos abusos do setor.

Segundo dados da Associação Brasileira das Empresas de Cartão de Crédito e Serviços (Abecs), existem no país 344 milhões de cartões de crédito e de débito. No ano passado, eles fizeram 4,3 bilhões de transações, movimentando ao todo R$ 322,5 bilhões. O estudo, entretanto, se limita aos números de 2007. Naquele ano, a bandeira Visa respondia por 51% dos cartões de crédito ativos e por 53% dos de débito. A Mastercard por 41% e 42%, respectivamente. As duas maiores operadoras concentravam 89% das transações de crédito e 99% de débito. Segundo Ana Paula, esse domínio ocorre também em outros países. ¿É preciso investigar mais profundamente se essa concentração, de fato, gera prejuízos ao consumidor. O que é contrário à concorrência é o abuso do poder econômico¿, disse de forma cautelosa. O próprio estudo cita como ¿fortes indícios¿ desse poder excessivo a rentabilidade muito alta, o aluguel das máquinas como fonte importante de receitas e a falta de repasse aos estabelecimentos das reduções de custo obtidas com o ganho de escala e a evolução da tecnologia. Para Marciano, o fato de só a empresa Visanet credenciar os cartões Visa e só a Redecard ser responsável pelo Mastercard, de forma exclusiva, fere a livre concorrência. Além disso, as duas redes não compartilham serviços nem pontos de venda, o que prejudica os lojistas.

Se quiserem fornecer mais opções para seus clientes, eles precisam ter várias ¿maquininhas¿ de cartão. ¿Na nossa visão, esse não é o melhor modelo para o mercado brasileiro¿, disse. O estudo tratou de uma das maiores reclamações dos comerciantes, o excessivo prazo de pagamento. As operadoras só transferem para as lojas o dinheiro de vendas com cartão de crédito em 30 dias. Os técnicos do governo acreditam que o tempo pode ser reduzido para dois dias, período usual na modalidade débito, e ainda assim o negócio ser rentável.

A outra grande queixa dos comerciantes é a taxa de desconto cobrada pelo serviço. Em 2007, o pagamento médio no crédito era de 2,9% do valor da transação ¿ o máximo encontrado foi de 5%. No caso do débito, o preço médio era de 1,6%. Segundo Ana Paula, o setor de cartões é o campeão de reclamações dos consumidores num sistema que coleta dados de vários Procons do país, com 12% das queixas. Em segundo lugar, vêm as empresas de telefonia, com 11%.

-------------------------------------------------------------------------------- Leia a íntegra: relatório sobre cartões de crédito