Título: Excesso de recursos gera impunidade
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Fonte: O Globo, 25/05/2009, O País, p. 4

Senado dá início a debate sobre reforma do Código de Processo Penal.

BRASÍLIA. Apesar da redução da pilha de processos parados nos tribunais superiores, a Justiça brasileira ainda sofre com o excesso de recursos apresentados com a única finalidade de adiar o cumprimento de decisões. O artifício é apontado como a principal causa para a prescrição de crimes antes do julgamento definitivo. O problema é tão grave que, a partir de julho, a data-limite para bater o martelo terá que ser incluída na capa de cada ação que tramita no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. Numa outra frente, o Senado começa a discutir esta semana um projeto de reforma do Código de Processo Penal.

Um estudo da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) mostra que ações comuns, como um pedido de indenização pela devolução indevida de um cheque, podem se arrastar na Justiça por até sete anos, em estados como Maranhão e Piauí. Segundo o juiz do Trabalho Roberto Siegmann, que comandou a Comissão para a Efetividade da Justiça da AMB, o sistema atual permite que a empresa processada apresente até 70 recursos até a conclusão do caso, mesmo que o cidadão lesado demonstre desde o início que tinha dinheiro na conta quando assinou o cheque.

- É preciso criar mecanismos para impedir o uso predatório da Justiça por quem só pretende adiar uma condenação. Os grandes escritórios de advocacia estão deixando de calcular seus honorários pelo resultado dos processos para cobrar pelo tempo que conseguem arrastá-los - observa Siegmann.

O enxugamento dos recursos protelatórios é uma das principais propostas da comissão de juristas que elaborou o anteprojeto de reforma do Código Processual Penal. Eleito na semana passada para presidir a comissão que votará o texto, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) diz que é preciso impor multas mais pesadas a quem ajuda a congestionar a Justiça com ações de má-fé.

- O direito de defesa no Brasil é muito elástico e permite que os advogados recorram indefinidamente até os crimes prescreverem. Com isso, as leis acabam sendo usadas para garantir a impunidade - afirma ele.

A cientista política Maria Tereza Sadek argumenta que ainda é preciso democratizar o acesso ao Judiciário, que estaria sobrecarregado por ações envolvendo o poder público e grandes prestadoras de serviços. Ela avalia que o país precisa criar uma cultura de conciliação que incentive a solução dos problemas fora da esfera judicial.

- Nossa Justiça vive uma situação paradoxal. É usada de forma excessiva por alguns setores, que poderiam solucionar suas pendências em outros balcões, mas ainda permanece inatingível para uma massa de brasileiros que não encontra defensorias públicas eficientes e não pode contratar advogados - diz a pesquisadora. (Bernardo Mello Franco)