Título: Dólar em baixa, governo em alerta
Autor: Novo, Aguinaldo; Rodrigues, Eduardo
Fonte: O Globo, 23/05/2009, Economia, p. 27

Mantega diz que alta do real é "fonte de preocupação". Para analistas, câmbio não influenciará juros.

Oministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou ontem que a valorização do real frente ao dólar é "fonte de preocupação" para o governo e empresários. Ainda assim, ele disse ver um "lado positivo" nesse quadro, por indicar que a alta seria resultado "do entusiasmo dos investidores com o Brasil". Ontem, a moeda americana fechou em queda de 0,49%, a R$2,027. Em maio, já caiu 7,06% e no ano, 13,15%.

- Essa valorização do câmbio já é resultado do entusiasmo de outros países (dos investidores) para virem para o Brasil, porque o Brasil oferece condições mais seguras, mais estáveis, a oportunidade de negócios - disse Mantega, após seminário em São Paulo. - É claro que essa valorização atrapalha o setor produtivo, os exportadores, a agricultura. Então, de fato, é uma fonte preocupação.

As operações conhecidas como carry trade têm elevado fortemente o fluxo de recursos externos no país. Nessas transações, os investidores vendem moeda ou títulos de um país com juros baixos, para comprar de outro com taxas altas. Enquanto países desenvolvidos praticamente zeraram suas taxas básicas, o Brasil o juro real está em 5,8%, entre os maiores do mundo.

Perguntado se o Banco Central (BC) poderia acelerar a queda dos juros como forma de dificultar a arbitragem de taxas, Mantega respondeu que essa é "a direção indicada pelo BC".

- O BC tem sinalizado que vai dar continuidade à queda dos juros, o ministro (presidente do BC, Henrique) Meirelles tem falado isso, e portanto acredito que esta é a direção correta - declarou, acrescentando que o governo "já está comprando mais (dólares no mercado) e recompondo reservas, o que é muito bom porque neste momento seríamos um dos poucos países aumentando nossas reservas".

Para economista, país está refém do mercado por causa de juro alto

Ontem, o BC voltou comprar dólares no mercado à vista. Adquiriu US$46 milhões, segundo fontes de mercado. Desde o começo do mês, a autoridade monetária já comprou US$2,498 bilhões por meio de seus leilões diários.

Mas analistas não acreditam que o câmbio será um indicador-chave na decisão da taxa básica Selic, hoje em 10,25% ao ano, na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), nos dias 11 e 12 de junho. Para eles, as intervenções do BC no câmbio e os alertas de Meirelles sobre a rápida desvalorização do dólar revelam apreensão com a volatilidade excessiva da moeda americana. Do ponto de vista da política monetária, avaliam, mesmo em baixa a cotação continua no intervalo previsto pelo BC: entre R$2 e R$2,20.

Além disso, esse movimento do dólar não representa risco de a inflação se afastar muito, para baixo, do centro da meta de 4,5% pelo IPCA estipulada pelo governo, o que também é função do comitê evitar. Além disso, como as pressões inflacionárias têm se mantido baixas e estáveis, o colegiado estaria concentrado em tomar decisões de olho nos indicadores de produção.

- As intervenções do BC devem segurar a cotação da moeda muito próxima do patamar atual - afirma o professor de mercado financeiro da Trevisan, Alcides Leite.

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo Sarney, afirma que um corte mais forte de juros não puxaria a a inflação.

- O governo tem de fazer cortes mais ousados, de dois a três pontos na taxa Selic. O essencial é colocar os nossos juros em linha com o conjunto de taxas internacionais.

Já o professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica Julio Gomes de Almeida acredita que, com estes juros convidativos à especulação, o país fica refém dos mercados internacionais e pode ser vítima de uma fuga de dólares com a mesma intensidade dos ingressos em massa.

- A única maneira de sair dessa gangorra cambial é ter juros compatíveis com a realidade. Mas, infelizmente, o dólar não deve influenciar as decisões do Copom, o que é uma pena, porque os setores produtivos do país é que sofrem com isso - analisa.

Ontem, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) subiu 0,96%, para 50.568 pontos. Na semana, acumula alta de 3,18%, e, no mês, de 6,93%. No ano, a recuperação já é de 34,67%.