Título: Diálogo cordial
Autor: Queiroz, Silvio
Fonte: Correio Braziliense, 01/04/2009, Economia, p. 18

Estados Unidos-Irã

Conferência internacional sobre o Afeganistão serve de cenário para encontro de alto nível entre delegados dos arquirrivais. Hillary Clinton elogia participação de Teerã e fala em ¿manter contato

Foi um encontro rápido e discreto, mas suficiente para marcar o contato de mais alto nível mantido entre Estados Unidos e Irã desde o rompimento de relações, em 1980. À margem de uma conferência internacional convocada pelas Nações Unidas para coordenar esforços na estabilização do Afeganistão, o enviado especial do presidente Barack Obama para o país, Richard Holbrooke, conversou cara a cara com o chefe da delegação iraniana, o vice-chanceler Mohammad Mehdi Akhoondzadeh. Separadamente, porta-vozes dos arquirrivais reforçaram os sinais de distensão que se sucedem desde a eleição e a posse de Obama.

¿Foi um diálogo cordial, que não estava planejado. Eles não focalizaram nenhum assunto em particular, mas concordaram em manter contato¿, disse à imprensa, no encerramento da conferência, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton. ¿Eu mesma não tive nenhum contato direto com a delegação iraniana¿, completou. Embora não tenha se referido explicitamente ao país no discurso que pronunciou durante o encontro, na coletiva Hillary citou o nome oficial (¿República Islâmica do Irã¿), um gesto diplomático raro nos últimos 30 anos, mas que ameaça tornar-se habitual. Obama fez o mesmo na mensagem de vídeo que endereçou ao governo e aos cidadãos iranianos na semana passada, por ocasião do ano-novo persa, na qual propôs ¿começar de novo¿ as relações bilaterais.

A secretária de Estado saudou como ¿um sinal promissor¿ a decisão de Teerã de aceitar o convite para participar da conferência, realizada em Haia (Holanda), com delegações de mais de 70 países (inclusive o Brasil) e uma dezena de organizações internacionais. ¿Vamos buscar maneiras de cooperar com eles¿, acenou Hillary. Perante os delegados, ela se referiu ao tráfico de ópio e heroína a partir do Afeganistão, ¿um problema que os vizinhos sentem e nós compartilhamos¿. O emissário iraniano, de sua parte, endossou a preocupação comum com a vulnerabilidade das fronteiras, e assegurou que o regime islâmico está ¿preparado para participar de projetos de combate ao narcotráfico e dos planos para a reconstrução e o desenvolvimento¿ do vizinho.

Akhoondzadeh não deixou, porém, de objetar polidamente um dos elementos centrais da nova estratégia anunciada por Obama para o Afeganistão: o envio de mais 17 mil soldados como reforço ao contingente americano que dá proteção ao governo do presidente Hamid Karzai. ¿A presença de tropas estrangeiras não ajudou a melhorar as coisas no país, e me parece que o envio de reforços tampouco se mostrará eficaz¿, argumentou o vice-chanceler.

A tentativa de aproximação com o Irã vem sendo conduzida cuidadosamente por Richard Holbrooke, diplomata experiente que já foi embaixador norte-americano perante as Nações Unidas e é considerado um dos artífices do acordo que pôs fim a três anos de guerra civil na Bósnia Herzegovina, em 1995. Holbrooke, nomeado por Obama como enviado especial para o Afeganistão e o Paquistão, tem como um de seus principais assessores o scholar iraniano Vali Nasr, radicado nos EUA desde 1979 e autor de livros e ensaios nos quais sustenta que a expansão da influência iraniana no Grande Oriente Médio (veja infografia acima), em parte como decorrência de erros estratégicos do governo Bush, torna incontornável o engajamento diplomático com a República Islâmica.

Além do encontro com Holbrooke, sobre o qual não quis fazer comentários, Akhoondzadeh recebeu também da delegação americana uma mensagem diplomática inusual ¿ como não mantêm relações, os dois países comunicam-se oficialmente por intermédio da Suíça. A carta não leva assinatura, mas segue um modelo previsto na linguagem diplomática, o aide-memoire. O texto pede ao governo iraniano que ¿use todos os recursos¿ a seu alcance para localizar um ex-agente do FBI (polícia federal americana) desaparecido há dois anos durante visita ao país. Solicita também, em nome do ¿espírito de generosidade do ano-novo persa¿, que o regime permita a emigração de uma estudante e uma jornalista, ambas iranianas-americanas ¿ a última delas está presa desde janeiro.

Ameaça Hillary Clinton aproveitou a conferência para estender a mão aos talibãs que renunciem ao extremismo em troca de ¿uma forma honrosa de se reconciliar e reintegrar em uma sociedade pacífica¿. A oferta coincidiu com a ameaça formulada por Baitullah Mehsud, líder dos talibãs do Paquistão, que mantêm relações de cooperação com os fundamentalistas afegãos e a rede terrorista Al-Qaeda, de Osama bin Laden. Em comunicado no qual assumiu a responsabilidade pelo assalto da véspera contra uma academia de polícia em Lahore, com saldo de 18 mortos, Mehsud prometeu ¿lançar em breve um ataque a Washington, ou mesmo à Casa Branca, para surpreender o mundo inteiro¿.

REFORÇO PARA A ONU A intenção afirmada e reiterada pelo presidente Barack Obama de reorientar a política externa dos EUA na direção do multilateralismo teve ontem uma primeira consequência prática com a decisão da diplomacia norte-americana de pleitear uma cadeira no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, criado em 2006. O governo do antecessor imediato de Obama, George W. Bush, se opôs ao formato definido para o novo organismo e decidiu boicotá-lo. ¿Os Estados Unidos buscarão neste ano um assento no conselho, com o objetivo de torná-lo mais eficiente para promover e proteger os direitos humanos¿, diz um comunicado divulgado na sede da ONU, em Nova York, pela secretária de Estado Hillary Clinton e pela embaixadora americana perante a organização, Susan Rice. O conselho substituiu a comissão das Nações Unidas para o tema, acusada de inércia em situações críticas. Três vagas serão renovadas em maio, por votação dos 192 países que integram a Assembleia Geral.

-------------------------------------------------------------------------------- Um antigo provérbio afegão diz que a paciência é amarga, mas dá frutos doces

Hillary Clinton, secretária de Estado dos EUA

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O número 17 mil soldados americanos serão enviados para reforçar o contingente no Afeganistão