Título: CNJ corre o país desencaixotando processos
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 24/05/2009, O País, p. 12

Mutirão de treinamento e reorganização resolve nós apontados por fiscalização anterior em Judiciários estaduais.

SÃO LUÍS. Esvaziar caixas de plástico pode parecer um pequeno gesto, mas representa um gigantesco salto para a Justiça maranhense. Até a semana passada, essas caixas guardavam a maioria dos 177 mil processos à espera de sentença no fórum central de São Luís. Solução no uso do diminuto espaço das secretarias dos cartórios judiciais do estado, elas na verdade contribuíam para a morosidade e a falta de transparência da Justiça. Uma vez encaixotados, processos jaziam esquecidos em seus túmulos plásticos, sem uma sentença. Agora, pelas mãos de uma equipe do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), eles estão ganhando vida. Retirados das caixas, organizados e visíveis nas prateleiras, os processos terão o andamento que a população maranhense espera.

A equipe do CNJ, inicialmente chamada de volante (nome abandonado já no primeiro estado visitado, o Piauí, por lembrar a tropa policial que perseguiu e matou Lampião), é a pontade-lança do Programa Integrar, lançado em fevereiro deste ano pelo conselho para enfrentar mazelas dos Judiciários estaduais, como a lentidão, o descaso e a morosidade, com soluções gerenciais, muitas delas simples, e mudanças na cultura de servidores e magistrados.

Uma delas é desencaixotar processos esquecidos e reordenálos.

Ressuscitá-los, quase.

¿ Não dá para chegar de dedo em riste. Os tribunais precisam saber que o conselho não é um órgão repressor, mas parceiro ¿ disse a juíza sergipana Maria da Conceição da Silva Santos, coordenadora da equipe.

Equipe já pegou em vassoura para limpar cartórios Ao chegar ao Maranhão com outros 14 representantes do CNJ, arregimentados em vários tribunais, a preocupação de Conceição foi explicar que não se tratava de mais uma fiscalização, nos moldes da que varreu o Judiciário maranhense em outubro e novembro do ano passado, mas um programa de treinamento e reorganização do aparelho judiciário. A exemplo do que foi feito no Piauí, a ideia é atacar, em 45 dias, dos quais 15 já se passaram, os principais gargalos apontados pela fiscalização.

Em algumas situações, os funcionários do CNJ pegaram em vassouras e flanelas para limpar os cartórios.

¿ A Justiça é lenta porque há falhas estruturais. São elas que estamos atacando, dos mutirões para desafogar cartórios abarrotados de processos até a limpeza mesmo, física, desses locais ¿ explica o presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, ministro Gilmar Mendes.

O programa nasceu, conta o ministro, depois de uma visita ao Poder Judiciário piauiense, em fevereiro. Gilmar disse que saiu deprimido de lá. Montada a força-tarefa, foram 45 dias de agenda no Piauí, que agora se repete até o fim de junho no Maranhão e deverá percorrer estados com problemas. O presidente do CNJ diz que fará todo o esforço para não deixar que ocorram cortes nos recursos destinados ao programa, praticamente consumidos em diárias.

No Maranhão, dos 177 mil processos em andamento no fórum da capital, 10 mil estão parados para aguardar a inclusão de petições intermediárias. O levantamento identifica um semnúmero de razões para um processo não andar, de mandados parados nas mãos de oficiais de Justiça há mais de 30 dias (5.500) a processos em poder dos juízes para sentença (12 mil) e outros prontos para conclusão, mas que não chegaram aos gabinetes (17 mil).

Mesmo com os cartórios abarrotados, há juiz que limita a remessa a dez processos por dia. Na 4aVara Cível, por exemplo, há 8.256 processos à espera de julgamento. Se a média de despachos ficar em dez sentençasdia, o juiz local levaria mais de dois anos para esvaziar suas prateleiras. Sem contar os novos ¿ entram por ali de 15 a 20 processos por dia. A Justiça do Maranhão conta com 232 juízes e 24 desembargadores. O número é pequeno para tanta demanda e os próprios magistrados contribuem para agravar o problema.

A fiscalização do CNJ detectou ali uma categoria apelidada de ¿juiz TQQ¿, porque só trabalha de terça a quinta-feira.

Muitos, inclusive, chegam a trocar o expediente judicial por agradáveis peladas de futebol.

A falta de juízes abre espaço para improvisação, muitas vezes feita às margens da lei. Na quinta-feira, por exemplo, o engenheiro mecânico João Emerson Reis Nunes, de 35 anos, comandou quatro audiências sentado na cadeira do juiz. Contratado em 1995, sem passar por concurso, ele é responsável pela secretaria da Vara de Trânsito da capital, onde tramitam 1.700 processos. Ele representava o juiz auxiliar Nelson Ferreira Martins, que também dá expediente no 6oe no 9oJuizados Especiais e só pode ir à improvisada sala de audiências da Vara de Trânsito uma vez por semana. Naquela quinta, João conseguiu promover duas conciliações (indenização por acidente de trânsito) e teve de adiar outras duas, que entrarão numa fila para esperar mais quatro meses, em média, pela primeira audiência.

Cultura do papel e da centralização ainda domina A equipe da juíza Conceição busca soluções para problemas como a separação entre cartórios e gabinetes das mesmas varas (ficam em andares diferentes), o que leva o juiz a conhecer pouco de sua infraestrutura, e a postura atrasada do corpo técnico, que insiste na cultura do papel e da centralização: mesmo lançando movimentos no processo pela via eletrônica, insistem em preencher o livrotombo.

E preferem repassar para os juízes decisões no curso do processo que eles poderiam tomar, com respaldo legal ¿ como, por exemplo, pedir à parte que forneça o endereço de uma testemunha a ser intimada.

¿ Diria que 60% das providências relativas a um processo independem do juiz. Mas os servidores repassam, afogando mais o gabinete. Muitas vezes, uma medida simplória, como pedir um endereço, pode levar quatro meses. Não há justiça que ande assim ¿ disse a serventuária paulista Ana Lúcia da Costa Negreiros, responsável na equipe do CNJ por um curso de boas práticas para os secretários de cartórios maranhenses.