Título: Preços indexados evitam queda da inflação
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 24/05/2009, Economia, p. 27

Tarifas e serviços com algum tipo de correção respondem por quase 40% do IPCA.

Resquícios dos anos de hiperinflação, os preços que, direta ou indiretamente, têm algum tipo de indexação respondem por quase dois quintos da cesta de compras média do brasileiro. E, segundo cálculos do banco ABC Brasil, têm subido acima da inflação nos últimos meses. São tarifas administradas como água e esgoto, energia elétrica, telecomunicações e ônibus urbano, ou serviços como educação e aluguel. Juntos, respondem por 37,6% do IPCA, índice usado nas metas de inflação do governo.

Nos últimos 12 meses, os preços com algum tipo de indexação registram alta de 5,6%, pelo IPCA-15, divulgado sexta-feira. Nesse mesmo período, a inflação subiu ligeiramente menos: 5,4%. E, se a inflação vem perdendo fôlego, esses preços estão acelerando sua alta: em janeiro, acumulavam variação de apenas 4,7% nos últimos 12 meses.

¿ A inflação brasileira tem uma inércia por causa da indexação, formal no caso de preços administrados, e informal no caso de alguns serviços.

Assim como na poupança a correção pela TR foi criada, no passado, para lidar com uma situação de alta inflação, a indexação de alguns preços foi a maneira que a economia brasileira encontrou para funcionar em meio à hiperinflação ¿ diz Luis Otavio Leal, economista-chefe do ABC.

Leal lembra que, enquanto em outros países a recente crise econômica derrubou a inflação, no Brasil, mesmo diante de um forte recuo da produção industrial, os preços não caíram na mesma proporção.

Isso ocorreu, em parte, devido à influência desses itens indexados.

Prática de indexar não leva em conta produtividade, diz analista O economista Luiz Roberto Cunha, professor da PUC-Rio, destaca porém que, no ano passado, enquanto a alta dos alimentos pressionou a inflação em diferentes países, os índices aqui não subiram graças a esses preços indexados.

¿ Ter quase 40% dos preços com alguma indexação é um patamar altíssimo. Mas há uma certa vantagem, que é ter uma inflação mais estável, menos volátil.

Segundo Cunha, no caso dos preços administrados como telefonia e energia, a indexação foi uma forma de garantir retorno aos investidores que exploram esses serviços. Contratos de longo prazo, como aluguel, também precisam de algum tipo de indexador para dar segurança aos consumidores, diz Cunha. E, no caso do salário mínimo ¿ cuja indexação, indiretamente, acaba afetando os preços de diferentes serviços ¿ os reajustes acima da inflação, concedidos nos últimos anos, proporcionaram uma melhor distribuição de renda.

¿ Todos os preços indexados o são por alguma boa justificativa.

Essa é uma característica da economia brasileira ¿ resume Cunha.

Salomão Quadros, responsável pelas pesquisas de índices de preços da fundação Getulio Vargas, lembra que, no caso dos serviços, alguns têm cláusulas explícitas de reajuste. Em outros casos, há uma indexação informal, por uma prática do mercado: ¿ É o que ocorre nas mensalidades escolares, por exemplo.

Leal, do Banco ABC, afirma que essa prática reflete uma ideia comum na sociedade brasileira de que é preciso repor, nos preços de serviços, a inflação passada, não levando em conta os ganhos de produtividade da economia.

Para o economista Joaquim Elói Cirne de Toledo, não há um excesso de preços indexados na economia brasileira. Além disso, afirma, a indexação de contratos é o que permite investimentos de longo prazo, porque traz previsibilidade, aumentando a eficiência da economia.

¿ O que sobrou de indexação dos anos de hiperinflação no Brasil é o que deveria mesmo sobrar. Ninguém constrói uma estrada sem saber de antemão as regras para a correção do pedágio. Assim como uma empresa não aluga um escritório sem saber o quanto pagará no futuro.