Título: Herança da indexação segura corte de juros
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 24/05/2009, Economia, p. 27

Economistas alertam que governo precisa mudar formas fixas de rendimento de poupança, fundos de pensão e FGTS

Ogoverno precisa mudar pelo menos quatro fórmulas fixas de remuneração vigentes na economia brasileira ¿ além da usada na caderneta de poupança ¿ para desfazer barreiras de curto e longo prazos à queda dos juros básicos no país. Segundo economistas ouvidos pelo GLOBO, será preciso mexer primeiro na poupança, nas metas atuariais de fundos de pensão e nos contratos de dívida de estados e municípios. A longo prazo, a correção do FGTS e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) também teria que mudar. A Taxa Selic está hoje em 10,25% ao ano, mas especialistas já esperam que ela feche 2009 em 9%.

Todas essas fórmulas são resquícios da indexação da economia, que estabeleceu parâmetros mínimos de correção de ativos e dívidas de forma a evitar que estes, por exemplo, não virassem pó diante da hiperinflação e dos juros nas alturas. Não desfazer esses nós pode acarretar impactos macroeconômicos severos, que vão desde a redução dos recursos para investimentos produtivos, em habitação e infraestrutura ¿ os fundos de pensão são os maiores investidores do Brasil ¿ até prejuízo aos cofres públicos, por exemplo, com a explosão dos custos financeiros de estados e municípios, invertendo a lógica da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

¿ Nós temos uma série de heranças institucionais que precisam ser alteradas, mas ainda não há um plano de voo no governo. Isso mostra que ninguém esperava ter taxas de juros de um dígito no Brasil ¿ afirma o economista e sócio da Quest Investimentos Paulo Miguel.

¿ São resquícios da indexação com os quais o governo vai ter que lidar. Isso acabará deixando feridas no meio do caminho ¿ alerta Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio e ex-diretor do Banco Central.

Ao propor a tributação dos depósitos acima de R$ 50 mil na poupança a partir de 2010 e não mexer na remuneração da caderneta, o governo mostrou que quer evitar um assunto politicamente espinhoso. Os poupadores ¿ muitos de baixa renda ¿ têm hoje a garantia de retorno de Taxa Referencial (TR) mais 6% ao ano, o que, para economistas, não se sustenta no atual cenário de queda de juros.

Se a Selic baixar ainda mais, pode haver uma migração de fundos de investimento para a caderneta, o que desequilibraria o mercado financeiro.

Faltaria dinheiro, por exemplo, para financiar a dívida federal, rolada por meio da emissão de títulos. Os fundos estão entre os maiores compradores dos papéis.

¿ A poupança é um animal defasado ¿ afirma Carlos Thadeu.

Meta de fundos pode gerar desequilíbrios

Ele aponta que o Brasil terá que enfrentar outros desafios, como as metas atuariais dos fundos de pensão, cujas carteiras têm como meta, em geral, um retorno de INPC ou IPCA mais 6% ao ano. Além disso, muitos ainda têm como regra o benefício definido para os participantes (em que a aposentadoria é fixada independentemente do montante a ser somado com as contribuições). Se começarem a receber pelos investimentos uma remuneração inferior à que devem entregar, pode haver desequilíbrio e problemas para honrar pensões no futuro.

¿ Mas os fundos precisam aprender a conviver com juros nominais mais baixos. Não há mais espaço para regras em que a contribuição do pensionista é variável e o benefício, definido.

Os fundos que hoje estão mais próximos da realidade são os que têm contribuição definida e benefício variável ¿ alerta Carlos Thadeu.

O presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Privada (Abrapp), José de Souza Mendonça, afirma que o setor já está se preparando para essa nova realidade. A legislação restringe o tipo de investimento que pode ser feito pelos fundos para evitar risco aos benefícios dos participantes. Os fundos só podem destinar 50% de sua carteira à renda variável e não podem aplicar no exterior, por exemplo.

Inflação corrige contratos de estados

Mas, diante do novo cenário de queda de juros, a tendência é buscar investimentos mais arriscados para obter retorno maior: ¿ Já enviamos ao Ministério da Previdência nossas propostas de mudanças na lei. Temos que buscar alternativas nesse novo cenário de juros ¿ diz Mendonça.

Segundo o ex-secretário de Previdência Complementar e professor da Universidade de São Paulo (USP) José Roberto Savóia, alguns fundos já reduziram sua taxa de remuneração para IPCA mais 5%, e isso tende a cair ainda mais: ¿ Os compromissos desses fundos tendem a variar com uma taxa mais realista de mercado ¿ afirma ele.

Outro problema está no risco de explosão dos custos financeiros de estados e municípios. O economista do BNDES Fábio Giambiagi lembra que esses contratos são corrigidos pelo IGP-DI mais 6% ao ano.

¿ Não é preciso ser especialista para perceber que, se os juros chegarem a 4%, por exemplo, o governo vai ter problemas políticos com os estados e municípios ¿ disse o economista, lembrando que haverá uma forte pressão por mudanças na LRF.

Giambiagi defende que os estados possam lançar títulos no mercado, para captar dinheiro e pagar dívidas com a União.

A longo prazo, o governo também terá que lidar com a remuneração do FGTS ¿ hoje fixada em TR mais 3% ao ano ¿ e do FAT ¿ TJLP (6,25% ao ano). Esses fundos também bancam investimentos produtivos.

¿ Mexer nessas correções está num horizonte mais distante ¿ afirma Paulo Miguel, da Quest.

O crédito rural também terá de passar por uma revisão no futuro. Os recursos emprestados aos produtores com subsídios do governo têm uma taxa máxima de 8,75% ao ano.

Como esse percentual é um teto, uma redução pode ser feita de acordo com o comportamento da Selic.

Miguel destacou ainda que o novo cenário de juros vai alterar o perfil dos investimentos no país em geral e não apenas para os fundos de pensão ¿ mais risco em troca de mais retorno.

¿ A época do dinheiro fácil acabou ¿ diz o economista da Quest.