Título: O protagonismo do Brasil gera uma certa resistência
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 28/05/2009, Economia, p. 26

Ministra do STF ressalta ter se preparado para vaga na OMC

BRASÍLIA. Após ter sido preterida na briga por uma vaga no Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC), a ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirma não ser "completamente alheia" ao comércio internacional. A ministra conta que passou seis meses estudando e estava preparada para assumir o cargo. Como razão para a derrota, a ministra ressalta que o recente papel assumido pelo Brasil no cenário internacional, despontando como potência, gera resistência de outros países.

Carolina Brígido

Foi a senhora quem pleiteou o cargo da OMC?

ELLEN GRACIE: Há algum tempo, o professor Luiz Olavo Baptista, o ocupante atual da cadeira, fez contato comigo para dizer que se sentiria muito honrado em ser substituído por mim. Desde o início sabia-se que não era uma coisa garantida. Não era uma vaga brasileira, mas da região. Aceitei o desafio. Fiz contato com o chanceler Celso Amorim, que deu pleno apoio.

Por que a senhora acha que o Brasil perdeu a vaga?

ELLEN: O Itamaraty foi absolutamente correto na sua atuação, extremamente eficiente. Mas essas definições, ainda mais num organismo multilateral como é a OMC, sofrem uma série de injunções, de pressões. O Brasil tem tido recentemente um protagonismo muito grande não só político como econômico, despontando como uma potência entre as grandes. Isso nos favorece, mas também gera por parte de outros países uma certa resistência.

O fato de a senhora não ser especialista em comércio internacional influenciou?

ELLEN: Não é bem assim. Se isso fosse obstáculo, o Órgão de Apelação não teria sido ocupado duas vezes por outros ministros de cortes supremas que também não tinham especialização nesse aspecto. É uma atividade jurisdicional.

A senhora considera que estava preparada para o cargo?

ELLEN: O professor Luiz Olavo conhece melhor do que ninguém quais são as atribuições do cargo e me conhece há muito tempo. O fato de ele considerar que eu estava em plenas condições de competir ao cargo é um fato que pode ser conferido com ele, se você preferir.

A quantas entrevistas a senhora foi submetida?

ELLEN: Fiz mais de 20 entrevistas com delegações diversas.

É verdade que, em uma delas, a senhora admitiu que não conhecia muito o assunto, mas estaria disposta a aprender?

ELLEN: Acho que essa é a única atitude que se pode tomar na vida: estar disposto a aprender qualquer coisa que seja. Os marcos legais podem variar. No caso, eu aplico a lei brasileira, mas não sou completamente alheia nem à legislação comercial, nem às regras de comércio internacional. Fiz 20 entrevistas e posso dizer que em nenhum momento houve constrangimento, alguma pergunta que eu não pudesse responder. Eu me preparei por seis meses para representar o Brasil.

A senhora estaria disposta a enfrentar outro desafio desse tipo e candidatar-se a outro órgão internacional?

ELLEN: Eu não vejo nenhuma abertura próxima.

A senhora está satisfeita com o trabalho no STF?

ELLEN: Sou juíza há 20 anos: oito no Supremo e 12 no Tribunal Regional Federal (TRF). Eu realmente gosto do que faço e me dispus em parte a assumir o cargo na OMC, porque também é uma atividade judicial. É exatamente a mesma coisa: julgar processos.

No ano passado, cogitou-se seu nome para a Corte de Haia. Dá a impressão de que a senhora está insatisfeita com o cargo de ministra do STF.

ELLEN: Isso não corresponde à realidade, nem corresponde à realidade que eu tenha pleiteado o cargo de Haia. Era uma coisa para a qual o professor Cançado Trindade estava direcionado. Quando começava minha presidência no Supremo, circulou um abaixo-assinado de apoio a ele. E eu tinha uma tarefa para cumprir. Realmente essa notícia circulou, e algumas pessoas começaram a acreditar que era verdade.

A senhora tem outras pretensões fora do STF a curto prazo?

ELLEN: Não. Continuo no STF.

A senhora se resignou?

ELLEN: Não é resignar-se. É diferente. Gosto de ser juíza. Eu trocaria um cargo de juíza por outro numa instância internacional, por interesse nacional.

Quando a senhora resolveu pleitear a vaga na OMC, comunicou seus colegas no STF?

ELLEN: Sim. A reação foi de grande apoio.