Título: O guardião
Autor:
Fonte: O Globo, 01/06/2009, Opinião, p. 6

TEMA EM DISCUSSÃO: Atuação do STF

Talvez não se esteja dando a verdadeira dimensão ao efeito positivo sobre o funcionamento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) causado pela instituição da súmula vinculante e do princípio da repercussão geral. Duas medidas destinadas a desatravancar congestionados fóruns e tribunais, a partir da aprovação da emenda da reforma do Poder Judiciário, em 2004, a possibilidade de o STF estabelecer sentenças únicas para milhares de ações idênticas, e definir os temas de "repercussão geral" sobre os quais se pronunciará, têm reduzido em alta velocidade o número de processos encalhados em toda a Justiça. O STJ, por sua vez, se vale da Lei de Recursos Repetitivos, para pulverizar tentativas de chicanas advocatícias. Ao todo, o número de ações nas altas Cortes caiu, no segundo semestre do ano passado, em relação ao mesmo período de 2007, quase 40%.

O Supremo, especificamente, começa a ter cada vez mais tempo para tratar de assuntos de relevância para o país, relacionados a preceitos constitucionais. Não cabe, então, acusar a Corte de "protagonismo" excessivo ou de "judicializar" a política. Se há conflitos no universo político, ou em qualquer outro, eles precisam ser mediados, e para isso existe o Poder Judiciário em qualquer República que mereça este nome. Apesar dos 24 anos ininterruptos de democracia, a aplicação da Constituição de 1988, redigida em parte sob inspiração de um mundo que ruiria logo depois com o Muro de Berlim, semeia conflitos que terminam desembocando no STF.

Permissiva na questão da representatividade política, a Carta deu sustentação legal a uma indesejável pulverização partidária, por exemplo. Em certa medida, esta é a origem do emaranhado anárquico nas alianças entre legendas, assunto que terminou na Corte e gerou a regra da verticalização.

A decisão do STF de suprimir a Lei de Imprensa, outro exemplo, só se tornou necessária porque, num cochilo dos legisladores, foi mantido um dispositivo herdado da ditadura militar, e inconstitucional.

Não é desejável um STF politizado tanto quanto um STF abrigado numa torre de marfim. E num país ainda em fase de aperfeiçoamento de sua democracia, a Corte funciona como o grande guardião do estado de direito. Como tem sido, em mais uma prova de que o sistema de escolha dos ministros, por indicação do presidente ao Senado, a quem cabe sancionar o nome - como nos EUA -, é irretocável.