Título: Dólar baixo longe das prateleiras
Autor: Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 27/05/2009, Economia, p. 19

Varejo ainda não repassou recuo de 13% do câmbio no ano para os preços

Luciana Rodrigues

Em tempos de crise, nem o dólar baixo anima o varejo. Apesar de a moeda americana ter fechado ontem a R$2,018 - no menor patamar desde 1º de outubro - e já acumular queda de mais de 13,5% no ano, o comércio ainda não repassou essa baixa para os preços. No caso dos importados, os comerciantes alegam que as cotações do dólar ainda estão voláteis e que têm produtos em estoque. Por isso, só devem reduzir seus preços daqui a até quatro meses. E isso se o dólar continuar em queda. Para o varejo em geral, os efeitos do câmbio costumam aparecer em seis meses, dizem os economistas. E mesmo produtos e serviços cotados em dólar - como pacotes de viagem e compras em lojas free shop - não se beneficiaram da queda da moeda: em meio à crise, o consumidor se mantém arredio.

- Tradicionalmente, o dólar em queda é ruim para a indústria, que exporta, e bom para o comércio, porque aumenta o poder de compra do brasileiro. Mas o reflexo nos preços só aparece num prazo de cinco a seis meses - explica Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC).

Mesmo nos importados, em que o impacto do câmbio é mais direto, o consumidor terá que esperar pelo alívio no bolso. A rede de supermercados Zona Sul afirma que ainda não mexeu nos preços desses itens pois as compras são negociadas com muita antecedência com os fornecedores. Na rede de importados Lidador, só daqui a 30 dias poderá haver alguma redução, se o dólar continuar caindo.

- O giro de estoque dos importados é mais lento. Há produtos que ficam até 120 dias no estoque. E o varejo não tem como acompanhar a volatilidade do mercado financeiro. Quando o dólar começou a subir, também seguramos o preço - explica Bernardo Cabral, diretor da Lidador.

Ao pesquisar preços de vinhos importados na Lidador, Sérgio Jermann, que trabalha numa corretora de valores, não viu diferença.

- Hoje (ontem), eu não vou comprar nada, estou só pesquisando.

A Dufry, que tem lojas em nove aeroportos do Brasil, também constata um desânimo entre os consumidores. O superintendente de varejo do grupo, Pedro Henrique Custódio, lembra que, no caso das lojas de importados, há sempre uma defasagem para o repasse do dólar, por causa dos estoques. Nas lojas free shop (livre de impostos) dos aeroportos, o impacto é imediato, porque os produtos são cotados em dólar. Mesmo assim, não houve aquecimento nas vendas.

- Ainda não houve um aumento no fluxo de passageiros. Também não cresceu o volume de vendas por passageiro, os clientes ainda estão sob o impacto da crise. E, em 2008, nesta época do ano, o dólar estava abaixo de R$1,70 - afirma Custódio.

As operadoras de turismo reclamam de quedas de até 40% nas vendas. Além do cenário econômico adverso, a gripe suína afetou a venda de pacotes para o exterior. Para completar, as chuvas no Nordeste e a seca no Sul prejudicam o turismo doméstico.

- Não adianta o dólar cair se o cliente tem medo de perder o emprego. E o turista sabe que a crise não passou. Em 2008, vínhamos de um longo período de queda do dólar. Agora, quem vai viajar não sabe a que cotação vai pagar suas compras quando voltar de férias - afirma Mário Nascimento, gerente de planejamento da Urbi et Orbi.

Roberto Bessi, diretor-presidente da Bessitur, afirma que nem as promoções - com pacotes até 20% mais baratos em dólar - animaram os turistas:

- A demanda está muito reprimida. O brasileiro já vivenciou várias crises. Mas uma crise mundial como essa é muito mais forte. O clima de incerteza e o medo de perder o emprego fazem com que ninguém queira contrair dívida.

No mercado financeiro, o dólar caiu 0,39% ontem, para R$2,018. A moeda chegou a subir 1,13% pela manhã, diante de tensões com testes nucleares na Coreia do Norte. Mas a divulgação de dados sobre a confiança do consumidor americano animou os mercados. O BC comprou dólares no mercado à vista por R$2,0228, mas não influenciou as cotações. No mês, a moeda registra queda de 7,47%.

COLABOROU Juliana Rangel