Título: O teste de Obama
Autor: Leitão, Mirian
Fonte: O Globo, 27/05/2009, Economia, p. 20

Os testes nucleares da Coreia do Norte são o primeiro desafio grave de política externa do presidente Barack Obama. Temia-se que ele viesse do mundo muçulmano, mas veio de outro país hostilizado pelo velho governo. É também um desafio para a liderança da China na região. Do ponto de vista econômico, mesmo pequena e isolada, a Coreia do Norte cria mais um peso num organismo debilitado.

Ontem, caíram as moedas do Japão, Nova Zelândia, Indonésia, Malásia, Tailândia, Índia, Cingapura e Coreia do Sul. O mundo está em crise e há fundamentos econômicos para qualquer instabilidade, mas o aumento do risco não ajuda em nada o momento atual, que estava começando a ser visto como de superação do pior.

O mercado ficou de manhã preocupado com a nova fonte de problemas, mas à tarde estava comemorando a elevação da confiança dos consumidores americanos. Os dados são ambíguos porque ontem mesmo saiu a informação de queda de 19,1% dos preços dos imóveis no primeiro trimestre nos EUA. Mas o sentimento do consumidor falou mais alto e o mercado melhorou ao longo do dia. O assunto, entretanto, não é tão trivial quanto parece pelos voláteis indicadores das bolsas de valores.

O presidente norte-coreano pode estar se aproveitando da crise econômica para fazer seu jogo. Os economistas já estão preocupados com a questão fiscal americana, com o déficit batendo em 13% até o final do ano. Tudo que Obama não precisa agora é mais uma frente de gastos, mais uma frente de batalha, mais um pântano no qual se afundar. Afinal, já há problemas suficientes internamente: todas as complicações que ainda sangram a economia.

Por isso, e por tudo o que ele se propõe a ser na política americana, Obama tentará a todo custo evitar um conflito, mas ao mesmo tempo não pode correr o risco de um moral hazard na área diplomática, porque se passar fraqueza, isso o fragilizará na disputa política interna. A embaixadora de Obama nas Nações Unidas, Susan Rice, fez um sinal de endurecimento, dizendo que o país está trabalhando com outros integrantes do Conselho de Segurança para uma rápida resposta que leve a Coreia do Norte "a pagar o preço" de seu desafio, mas ao mesmo tempo circulam informações de que os EUA estariam abertos a uma volta do governo da Coreia do Norte à mesa de negociação.

Por outro lado, a atitude da Coreia do Norte é um tiro contra a liderança que a China quer construir na região. É ela a promotora das negociações para a desnuclearização do país vizinho. Por isso, o desafio de Pyongyang provocou reação imediata dos chineses. Eles também não precisam, no meio de seus esforços de retomada do crescimento, de mais uma instabilidade.

A tragédia causada pelo governo norte-coreano é que ele atrapalha o futuro do seu próprio povo e também de outros países. Um governo stalinista em pleno século XXI é uma velharia espantosa. Tudo parece mofado, como os boatos sobre a saúde do ditador Kim Jong-il. Lembram o regime soviético e as doenças, sempre negadas, de seus governantes. É um país tão frágil economicamente, que aumentar seu isolamento pode produzir o que a China teme: a implosão do país com milhares de pessoas saindo por suas fronteiras, disse ontem o editor diplomático do "Telegraph", de Londres, David Blair.

A tese do analista é que a Coreia do Norte joga com o Ocidente usando a estratégia de ameaçar para conseguir concessões. O país fez um teste em 2006 e depois negociou o acordo de fevereiro de 2007, no qual prometia desmontar um dos seus reatores em troca de comida e combustível. O regime é um fantasma de si mesmo, tentando ameaçar o mundo, enquanto submete sua população ao sofrimento, à fome, ao isolamento e ao culto à personalidade. Na primavera de 2007, o país enfrentou inundações que reduziram ainda mais a oferta de alimentos interna, que é crítica pela falta de terras cultiváveis. O deplorável agora é que, desta vez, o país parecia caminhar para alguma racionalidade, até que, de novo, sacou do mesmo arsenal para ameaçar o mundo e ferir a si mesmo.

A Coreia do Sul tem um PIB per capita 15 vezes maior que o da Coreia do Norte. Não deixa de ter problemas políticos, como o suicídio do ex-presidente, ou problemas econômicos, com a recessão que enfrenta este ano e a crise de 1997 e 1998. Mas é um país pujante, de tecnologia de ponta, uma economia exportadora. Nos últimos 18 anos, o PIB da Coreia do Norte ficou estagnado, o da Coreia do Sul multiplicou por três. O PIB da Coreia do Sul é o 16º do mundo; o da Coreia do Norte é o 96º.

Obama tem que encontrar uma forma de tirar a economia da crise, mostrar que seu discurso de estender a mão ao mundo muçulmano, chamar adversários para a mesa de negociação e suspender a tortura e fechar Guantánamo tornarão o mundo um lugar mais seguro. Por isso, essa frente de problemas é tão indesejável e perturbadora.

O teste nuclear de uma ditadura desesperada, nos seus estertores, ameaçando o mundo, é um dado a mais de incerteza, numa economia que está justamente tentando superar o cenário nebuloso para iniciar a recuperação.