Título: Sob o patrocínio das empreiteiras
Autor: Alencar, Chico
Fonte: O Globo, 29/05/2009, Opinião, p. 7

A República brasileira está no banco dos réus e o júri é a população. Com quase 120 anos, esta jovem senhora já foi oligárquica, militarista e liberal-democrática, como agora. Entre avanços e recuos, evoluiu, sim, mas está debilitada por um profundo desgaste da representação política e do próprio espírito republicano. A política, na percepção popular, é o espaço da esperteza. E das "carreiras": mais que nos aviões, no alpinismo do poder. Muitos agentes públicos, em suas práticas, confirmam isso.

A divulgação de escândalos sucessivos abre, agora, por paradoxal que pareça, uma oportunidade ímpar para os primeiros passos de uma reconstrução política. Ela não virá através de posturas personalistas, e sim da pressão social crescente. O que se impõe é uma definição coletiva de novos regramentos, austeros e transparentes, que destruam os costumes arraigados na cultura do desperdício e em um Estado que continua cheio de interesses particulares em seu interior.

O mau uso dos recursos públicos por parlamentares ocupa manchetes diárias - e a falta de zelo, em alguns aspectos, foi generalizada. Mas ele é apenas a parte mais visível e compreensível de um processo de amesquinhamento da política pela falta de um projeto de nação. Entretanto, o combate à corrupção sistêmica pode se enfraquecer quando se destaca apenas aquela mais imediata e emblemática. O exótico de castelos e voltas ao mundo pode tirar o foco de licitações viciadas, evasão de divisas, tráfico de sentenças e royalties desviados. É difícil, mas nesse âmbito convém prestar mais atenção em Dantas do que em Galisteu...

Na ausência da reforma política, novamente ameaçada pela reação do fisiologismo, cada eleição alarga mais a porta da corrupção no país. O financiamento das campanhas prova que quem mais arrecada mais vence. As alianças partidárias são montadas não em bases programáticas mas pragmáticas, em torno do tempo de TV e rádio e, posteriormente, da partilha dos cargos no governo. O Congresso Nacional opera sob a égide dos interesses das grandes corporações e a Justiça Eleitoral registra: 285 deputados e 40 senadores - 55% do total! - receberam recursos de empreiteiras. Acrescentando-se o lobby dos grandes grupos financeiros, aí incluídos os fundos de pensão, e do agrobusiness, chega-se ao núcleo do poder no Brasil. A força do capital pode ser percebida, também, numa "cultura jurídica" incomodada com investigações nas elites, tradicionalmente intocáveis.

O desafio é retomar a luta cotidiana em defesa dos valores cidadãos. Este é o verdadeiro "Pacto Republicano": a rigorosa distinção entre o público e o privado e a horizontalização da cidadania. Ele só se viabilizará numa democracia participativa de alta intensidade, onde a eficiência na garantia dos direitos da maioria seja a meta e a visibilidade seja a rotina. Só na República recomeçada o carcomido sistema do político que fala mas não diz, do eleitor que vota mas não escolhe, do juiz que julga mas não promove justiça e do administrador que administra sem metas e para poucos será superado.

CHICO ALENCAR é deputado federal (PSOL/RJ).