Título: Câmbio e juros
Autor: Batista Jr., Paulo Nogueira
Fonte: O Globo, 30/05/2009, Opinião, p. 7

A queda do dólar para cerca de R$2 reacendeu a velha polêmica sobre câmbio e juros. Aumenta a preocupação com os efeitos da revalorização cambial e dos juros altos sobre uma economia em recessão e sujeita ao risco de poderosos choques externos.

É verdade que, no segundo trimestre, a economia brasileira vem dando os primeiros sinais de recuperação. Mas a crise recessiva está longe de superada. A expectativa predominante é de queda do PIB em 2009.

A projeção mais recente do FMI é de uma redução de 1,3% no PIB brasileiro. O relatório Focus do Banco Central, que levanta semanalmente as expectativas dos analistas de mercado no Brasil, indica que a expectativa mediana é de uma queda de 0,5% em 2009. Para o setor industrial, a expectativa é de uma contração de 4,3%. Mesmo que se confirme a projeção do governo de um crescimento de 1% do PIB, um aumento substancial do desemprego e do subemprego será provavelmente inevitável.

Nessas circunstâncias, não é nada recomendável manter taxas de juro elevadas, muito acima da média internacional. Por um lado, juros altos obstruem a recuperação do crédito e da demanda interna de consumo e de investimento. Por outro, contribuem para induzir a apreciação do real em relação a moedas estrangeiras, o que deprime a rentabilidade das exportações de bens e serviços e estimula a substituição de produtos nacionais por importados.

A diminuição da taxa de juro ameaçaria o controle da inflação? Não é o que sugerem os dados disponíveis. A taxa de inflação vem caindo gradualmente desde o final do ano passado, não só a inflação "cheia" como também as medidas de tendência da inflação (os chamados núcleos inflacionários) calculadas pelo Banco Central. A tendência de queda da inflação vem se refletindo nas expectativas de mercado. O relatório Focus do Banco Central indica uma expectativa mediana para o IPCA de 4,3% em 2009, um pouco abaixo do centro da meta oficial.

Segundo operadores de mercado, o Brasil começa a ser inundado por dólares atraídos para o país por taxas de juro anormalmente elevadas. Não há dúvida de que o enfraquecimento do dólar é um fenômeno mais amplo - a moeda norte-americana está perdendo força em relação a várias outras moedas. Mas, no caso do real, parece inegável que os juros muito elevados reforçam o movimento de valorização.

A Fazenda e o Banco Central, principalmente o segundo, precisam agir rapidamente e de forma incisiva para conter a apreciação do real - antes que se consolide a percepção no mercado de que o movimento recente marca o início de uma nova fase de valorização da moeda nacional. Na medida em que prevaleça essa percepção, a combinação de juros altos com expectativa de valorização do real atrairá volumes crescentes de capital especulativo, reforçando a tendência de apreciação, com efeitos adversos sobre as contas externas e o nível de atividade econômica do país.

Uma possibilidade seria reintroduzir o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nos investimentos externos em renda fixa e títulos públicos, que foi eliminado em outubro quando teve início a fase mais aguda da crise internacional. É uma forma válida de controlar a entrada de capitais especulativos ou de curto prazo.

Outra possibilidade, talvez mais recomendável no momento, seria intensificar a compra de moeda estrangeira pelo Banco Central. Esse tipo de intervenção no mercado cambial tem uma dupla vantagem. Além de ajudar a conter a apreciação do real, aumenta as reservas internacionais, reforçando a proteção do país contra choques externos. As compras recentes do Banco Central recuperaram apenas cerca de 1/3 das reservas internacionais perdidas pelo Brasil desde outubro último.

A intensificação da compra de reservas poderia ser combinada com uma aceleração do movimento de queda dos juros. Juros mais próximos dos internacionais evitariam que o real se tornasse alvo de movimentos especulativos, contendo a apreciação do real. Taxas de juro mais brandas, além de ajudar a tirar a economia da recessão, reduziriam a carga de juros do setor público e o próprio custo de carregamento das reservas.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: pnbjr@attglobal.net