Título: Muita política e ainda pouca transparência
Autor: Casado, José; Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 31/05/2009, O País, p. 3

UM POÇO DE POLÊMICAS

CPI vai investigar uma Petrobras com nova dimensão política e econômica, que faz 80% das compras sem licitação

José Casado, Maiá Menezes e Dimmi Amora

Ela é muito mais do que uma companhia estatal de petróleo. Foi concebida, nasceu e se consolidou como instrumento de poder. E tem sido protagonista constante de crises políticas deflagradas por conflitos de interesses patrimoniais e corporativos.

A partir de terça-feira, no Senado, a Petrobras estará no centro de uma nova Comissão Parlamentar de Inquérito. Os motivos são basicamente os mesmos das CPIs nas quais foi protagonista nos últimos 24 anos: ingerência político-partidária na administração e contratos com escassa transparência. A diferença é que, hoje, os negócios de petróleo no Brasil são dez vezes maiores do que duas décadas e meia atrás.

A Petrobras é uma potência. Na boca do caixa, recebe R$297 milhões por dia. São R$218 bilhões por ano - quase o dobro do orçamento do Estado de São Paulo, o mais rico da federação. É a maior compradora de bens e serviços no mercado interno: gasta em média R$102 milhões por dia, ou R$37, 2 bilhões por ano.

É, também, percebida como uma caixa-preta no Congresso, no Tribunal de Contas da União e em áreas do governo federal - há vários governos.

De cada R$100 em pagamentos, R$81 correspondem a negócios feitos com quase nenhuma transparência, sem concorrência ou por convite direto a um mínimo de empresas privadas - três, em geral. Ou seja, 81% das compras da estatal são realizadas em processos sem concorrência pública ou, na melhor hipótese, em competição extremamente restrita.

É o que revela levantamento do Senado sobre uma amostra de 4.885 contratos da estatal com seus fornecedores nacionais, entre 2007 e 2008, para orientar a CPI da Petrobras.

TCU aponta graves irregularidades

A percepção de rarefeita transparência nos negócios da estatal de petróleo se cristalizou tanto no Congresso, onde este mês foram votados dois requerimentos de CPI, quanto no TCU, que nos últimos dois anos abriu quase duas centenas de processos contra a empresa pública - mais da metade ainda em tramitação.

No tribunal, casos como o da Refinaria Abreu e Lima, em construção no entorno de Recife, são considerados emblemáticos de "graves irregularidades". Essa classificação do TCU a Petrobras entende como um conceito sobre "fatos apurados" em auditoria com "intimação de um gestor para esclarecimentos adicionais". O tribunal, acrescenta a empresa, "vem aceitando as defesas apresentadas e considerando regulares tais atos".

Não é bem assim, como demonstra o caso da refinaria do Nordeste. Pelo projeto inicial custaria R$9 bilhões. Poderá consumir mais de R$23 bilhões nos cálculos de fornecedores de obras e equipamentos.

Ano passado, o TCU mandou uma equipe de auditores examinar as contas da refinaria. A obra estava na fase preliminar, a da terraplenagem, executada por um consórcio de empreiteiras (Odebrecht, Galvão, Camargo Correia e Queiroz Galvão).

Diante de evidências de "superfaturamento" de R$53 milhões no aterro e sistema de drenagem, o tribunal mandou a Petrobras suspender os pagamentos. Comunicou ao Congresso que a refinaria era um caso de obra pública com "graves irregularidades" que justificariam sua paralisação.

Superfaturamento dobra após auditoria

Meses depois, no início deste ano, fez-se nova auditoria na mesma obra. O resultado causou estupefação no plenário do tribunal: "Após a inspeção, a estimativa de superfaturamento saltou de R$53 milhões para R$94 milhões" - registrou em ata o ministro Valmir Campelo, relator do caso, no último 13 de maio.

Há tempos, TCU e Petrobras brigam por causa das regras de transparência. Em 1997, a empresa conseguiu um salvo-conduto do então presidente Fernando Henrique Cardoso, com uma lei diferenciando-a das outras estatais. Mas o TCU considerou a lei inconstitucional. Há seis anos, a Petrobras sustenta seus negócios com uma liminar obtida no Supremo Tribunal Federal.

Quando o governo Lula começou, em 2003, o barril de petróleo oscilava na faixa dos US$40, e a Petrobras ensaiava a retomada de grandes investimentos. O novo governo, então, dividiu diretorias com partidos aliados, preservando o PT em posição hegemônica. Entregou boa parte dos três mil principais cargos gerenciais a sindicalistas ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT). E mudou a política de compras no mercado interno.

O preço do petróleo disparou até US$140, no ano passado. A Petrobras ganhou nova dimensão como um instrumento de poder econômico e político. A partir de um caixa recheado como nunca antes na sua história, construiu uma "rede social": com cerca de R$1 bilhão anual, sustenta organizações não governamentais cuja capacidade de mobilização é de 18 milhões de pessoas em todos os estados, nas contas da própria empresa. É o novo lastro político da Petrobras na era Lula.