Título: Política internacional é jogo de gente grande
Autor:
Fonte: O Globo, 31/05/2009, Economia, p. 36

Para ministro, "não estávamos acostumados a isso". Sobre crítica por preterir brasileiros, diz que eram "candidatos de si próprios"

BRASÍLIA. Alvo de críticas por causa das últimas investidas do Brasil na política externa, como a derrota da ministra do Supremo Tribunal de Federal (STF), Ellen Gracie, a uma vaga na Organização Mundial do Comércio (OMC), e o apoio declarado ao egípcio tido como antissemita Farouk Hosni, na disputa pela direção-geral da Unesco, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, diz que está acostumado com isso. "Tenho lombo grosso. Vivi isso quando era presidente da Embrafilme", disse, após entrevista ao GLOBO, na sexta-feira. Amorim se defendeu das acusações de ter preterido dois candidatos brasileiros à Unesco - o senador Cristovam Buarque e o diretor-adjunto do organismo, Márcio Barbosa -, afirmando que eram "candidatos de si próprios". Disse que política externa é um "jogo de gente grande" e criticou o processo de seleção na OMC por ter pouca transparência.

Eliane Oliveira e Ilimar Franco

Como o senhor interpreta as críticas que o governo vem recebendo na condução da política externa brasileira?

CELSO AMORIM: Política internacional é um jogo de gente grande. É nós não estávamos acostumados a isso. Estamos acostumados a pensar pequeno, no interesse do fulaninho, do primo do sicrano, do sobrinho do sicrano, se ele vai ser ou não candidato. No jogo de gente grande, temos que tomar decisões de política global, sem desprezarmos os candidatos brasileiros, ou os pré-candidatos brasileiros, até porque o Brasil tem candidato bom para qualquer cargo internacional.

Essa aproximação política com o mundo árabe já traz resultado? Na OMC, como os árabes se comportaram em relação à ministra Ellen Gracie?

AMORIM: Por acaso, o Egito apoiou a Ellen Gracie, mas não foi uma troca.

O que o senhor achou do resultado na OMC?

AMORIM: Fui parte desse mesmo comitê que indicou Luiz Olavo Baptista, que ocupava a vaga disputada pela ministra há quase oito anos. Sei perfeitamente como se passam essas coisas. Não é uma votação. Não quero dizer que houve manipulação, mas, no sentido físico da palavra, a OMC é um órgão muito pouco transparente, pouco translúcido, você não vê o que está do outro lado.

O aumento da projeção do Brasil no exterior incomoda outros atores internacionais?

AMORIM: Deve incomodar muito. É como aqui no Itamaraty. Tem um negócio que se chama votação horizontal, que os colegas votam. Você sempre procura votar naquele sujeito bonzinho, mas que não se projeta muito, senão te incomoda. A possibilidade de ele passar na sua frente é menor. Em qualquer lugar no mundo é assim.

Na sua opinião, o saldo é de derrotas ou de vitórias?

AMORIM: É como em uma Copa do Mundo. Tem time que ganha do começo ao fim, que é o ideal. Mas na política internacional é muito difícil. Tem times que vão perdendo, empatando e, no fim, são campeões. É o que está acontecendo com o Brasil. Mas, de derrota em derrota, o presidente Lula, nos próximos três ou quatro meses, vai participar de três cúpulas muito importantes. A primeira cúpula dos Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China), do G-8 mais 5 (países mais ricos do mundo, mais Brasil, México, África do Sul, China e Índia) e do G-20 financeiro (as 20 maiores economias). Não vejo de maneira alguma a política externa sendo colocada em xeque.

O esforço do governo para incluir a Venezuela no Mercosul provocou uma cruzada ideológica no Congresso, devido à personalidade do presidente Chávez. O senhor concorda com isso?

AMORIM: Se não fosse isso, seria outra coisa. Vocês viram quanta tinta se derramou em torno da Unesco? Havia candidatos respeitados, mas candidatos de si próprios, em em busca de um apoio governamental. O Brasil tomou uma opção geopolítica ao apoiar o egípcio, assim como os Estados Unidos e Israel estão tirando o time de campo em matéria de fazer obstrução, porque viram que há interesses mais altos. Os cruzados estão sempre em busca de uma bandeira.

O Brasil resolveu nomear um embaixador (Arnaldo Carrilho) na Coreia do Norte.

AMORIM: Agora estamos sendo criticados por causa da embaixada na Coreia do Norte. Mas, se não tivéssemos embaixada, não teria tido tanto destaque na mídia internacional a decisão do governo brasileiro de suspender a ida do embaixador para lá. Isso equivale a um pedido de consultas. Se ainda assim quiserem criticar, é bom lembrar que a abertura de uma embaixada é um ato meramente administrativo. Quem tomou a decisão política de restabelecer relações diplomáticas com aquele país foi o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.

No ano que vem haverá eleição no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O Brasil apresentará candidato?

AMORIM: Hoje em dia, o Brasil, que tem uma posição muito forte, tem que ser, até certo ponto, econômico em suas candidaturas. É o contrário do que era antes, de certa maneira. Se você for olhar os EUA, ou mesmo a China, eles não têm tantos funcionários em cargos tão altos em organismos e agências internacionais. O peso deles é evidente. Mas não excluo que a gente possa vir a apresentar um candidato, ou apoiar algum.

O senhor vê alguma chance de entendimento na Rodada de Doha da OMC?

AMORIM: É até possível, mas tenho a impressão de que, no dia em que for assinado o acordo final, já não será manchete. O mundo vai evoluindo, outras coisas vão acontecendo e atualmente a crise financeira é mais importante. Concluir a Rodada na OMC significa disciplinar os subsídios, para evitar ações que contrariam as normas gerais, que consolidam o comércio multilateral. No entanto, o foco está colocado em temas como derivativos e paraísos fiscais.

Dizem que o Brasil dá passos maiores do que deveria...

AMORIM: Hoje em dia, tratamos num grande tabuleiro da política internacional. Eu fico espantado que muitas pessoas não conseguem ver isso e acham que o Brasil joga sempre em coisas pequenininhas. Acham que devemos ser duros com os nossos vizinhos, sobretudo com os mais frágeis, e não nos metermos em nada fora da região, porque temos que ter consciência dos nossos limites. Esses limites não passam de círculos de giz.