Título: Festa da cumeeira
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Fonte: Correio Braziliense, 26/03/2009, Economia, p. 21

Com atraso de anos, a habitação volta à agenda de prioridades. E se constata que havia dinheiro.

O plano de incentivo à construção de moradia popular lançado pelo presidente Lula na embalagem é um programa anticrise. No miolo tem um forte componente eleitoral, estando para a campanha da ministra Dilma Rousseff à sucessão de Lula em 2010 como o Fome Zero esteve para ele em 2002 e o Bolsa Família em 2006. Isso é fato e não há à oposição o que fazer, fora espernear, ou negar presença, como fez.

A habitação, na verdade, tardava a voltar à agenda de prioridades dos governos. O que há a criticar é a demora de Lula em incorporá-la à sua administração. Se neste tempo de crise, com desemprego e queda de arrecadação, constata-se que há dinheiro para custeá-la, muito mais então havia quando a economia bombava. E o FGTS, maior financiador de moradia para a população de baixa renda, não estava pressionado pelos saques decorrentes do aumento do desemprego.

Ao atrasar o programa o governo contribui para a ilação de que o seu lançamento foi sincronizado com o tempo eleitoral para surtir efeito no calor da campanha sucessória, em meados do ano que vem, entrando a crise como coadjuvante em sua exposição de motivos.

Todos os governadores, como vários prefeitos, foram convidados ao lançamento do programa, mas apenas dez apareceram, estando entre os ausentes os presidenciáveis Aécio Neves e José Serra. Problemas de agenda, justificou o ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro. Ou de falta de acordo. Dilma rejeitou proposta dos governadores para que o programa aplicasse parte dos seus recursos por meio das Cohabs, as companhias estaduais de habitação.

¿Ou tem moradia em excesso em Minas e São Paulo ou há excesso de vaidade dos governadores¿, disse o governador de Sergipe, Marcelo Déda, do PT. Simplismo de Déda. Para muitos estados, habitação não é política de governo, dada a penúria de seus recursos fiscais.

Em outros, como São Paulo, Minas, Rio, Paraná, tais programas são recorrentes, ainda que em números menores que a demanda. Se fossem mais envolvidos no programa federal, e não só desonerando do ICMS os materiais de construção ¿ sugestão da ministra da Casa Civil ¿, o tempo para a entrega das casas seria menor. O programa poderia beneficiar-se de terrenos das Cohabs e de licenças ambientais já concedidas. O tempo médio de construção de casas populares vai a 33 meses, prazo que o governo gostaria de reduzir para 11.

BNH fazia muito mais Lula já havia demarcado território ao declarar dias atrás que com tal iniciativa vai-se encaminhar a solução para problemas com mais de 50 anos, segundo ele. Referia-se ao déficit de casa própria no país, estimado pelo programa em 7,2 milhões de moradias, sobretudo para a população de até 10 salários mínimos (SM) de renda mensal ¿ e, dentro dela, em especial, até 3 SM, justamente a faixa que será beneficiada com a maior fatia dos subsídios previstos.

Trata-se de um equívoco de Lula. Na década de 70, o finado Banco Nacional da Habitação, BNH, chegou a financiar 800 mil casas por ano no segmento popular ¿ o que se compara com 125 mil financiadas pela Caixa Econômica Federal (CEF) em 2008 e com a meta de 500 mil este ano e outro tanto no próximo inserida no novo programa.

Lula não banca meta Precavido, Lula preferiu não se comprometer. ¿Se tudo estivesse pronto, se soubéssemos quais terrenos dos estados e prefeituras serão usados, poderíamos fazer em dois anos¿ (a meta de 1 milhão de casas), argumentou. ¿Não há limite de tempo, portanto, não me cobrem.¿ Está certo. Meta é referência, não obrigação.

Que o programa dobre este ano e em 2010 o número de 125 mil casas de 2008 e já estará bem encaminhado. Disso a oposição não tem que falar mal, apenas contrapor seus próprios programas de construção de moradias, monitorar a implementação ¿ sempre difícil no plano público ¿ e conferir com lupa o caixa do FGTS, origem de boa parte dos subsídios para viabilizar o financiamento na faixa de até 3SM.

Os dinheiros ocultos A iniciativa vai mobilizar R$ 34 bilhões entre linhas de crédito às construtoras que farão as casas, financiamento ao comprador e subsídio da prestação, decrescente até 10 SM. Para a faixa até 3SM ¿ atendida com 40% da meta de 1 milhão de casas ¿, o subsídio será integral, com prestação mínima de R$ 50 e comprometimento de renda máxima de 20%. A regularização fundiária em grandes centros também foi contemplada por medida provisória. Agora é cobrar o anunciado.

Transparência opaca O renascimento da prioridade habitacional traz questões deixadas em segundo plano pelos problemas da macroeconomia, tipo inflação, juros altos e carga tributária. Vê-se que dinheiro há, embora os recursos do FGTS não sejam públicos, mas privados, do trabalhador.

É estranho usá-los para subsidiar metas sociais, como construção de casas. O meio apropriado para tal é o orçamento fiscal, formado pela receita de impostos. Constata-se que a transparência sobre a condução de verbas públicas é opaca, e a definição de prioridades, um ato de vontade de governos, não parte de uma política de longo prazo exposta em campanha eleitoral e discutida e avalizada pelo Congresso. Está aí uma avenida para uma discussão em alto nível.