Título: Sensores sob suspeita
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Fonte: O Globo, 06/06/2009, Rio, p. 12
Air France troca equipamento e Airbus recomenda procedimentos em caso de falha
Um dia depois de terem sido divulgadas informações de que o voo 447 que desapareceu domingo estava em velocidade incorreta e que sensores da aeronave teriam congelado, fazendo com que o piloto recebesse dados incorretos sobre pressão, altitude e velocidade, a Air France divulgou ontem um memorando para todos os seus comandantes, informando que está trocando instrumentos que ajudam a medir a velocidade de seus Airbus usados em trajetos de média e longa distâncias. O informe foi obtido pela agência de notícias Associated Press, e a Air France não quis comentá-lo. A Airbus, por sua vez, enviou um comunicado a todos os donos de A330 alertando as tripulações a seguir procedimentos padrão caso suspeitem que os indicadores de velocidade estejam falhando.
Entre os procedimentos que fazem parte dos manuais da Airbus estão não perder a referência visual e não usar ao extremo os pedais ou o side-stick (o manche). Outra recomendação é ficar atento a comandos irregulares do avião e voar com "atitude e potência", o que significa manter o avião na linha do horizonte em caso de anomalia nas informações dadas pelos sistemas computadorizados, como o Adiru. Nesse caso, existem tabelas de posicionamento do avião na linha do horizonte para mantê-lo na velocidade e posição corretas.
- O recado dado por esse comunicado é que tudo indica que houve perda de informação da velocidade do avião. Pode ter havido então uma briga do piloto com a aeronave que, num ambiente externo desfavorável, como uma turbulência, e sem os parâmetros de velocidade corretos, acabou levando a manobras erradas - explicou uma fonte.
De acordo com a norma 2009-0012-E, de 15 de janeiro último, os pilotos de A330 e A340 são orientados a não apenas desligar a unidade do Adiru que apresenta dados equivocados: devem desativar o também a fonte de energia que alimenta essa unidade. Só assim haveria garantia de que o equipamento não continuasse projetar dados errados, o que desencadeia reações no sistema automatizado.
Troca terminará nas próximas semanas
Segundo o memorando da Air France, estão sendo substituídos os instrumentos conhecidos como tubos pitot, num processo que terminará nas próximas semanas. O comunicado, no entanto, não informa quando a troca começou nem o motivo. Ele acrescenta que uma série de medidas estão sendo tomadas para reduzir os riscos de perda de informação sobre a velocidade aérea "com a melhora dos modelos de pitot da frota Airbus para voos de média e longa distância". "Um programa para a substituição de pitots por novos modelos está ocorrendo. Deve ser completado nas próximas semanas", informa o memorando. Os aviões que terão trocas são os de modelo A300, A310, A300-600, A318, A320, A321, A330, A340, A380.
Os pitots são tubos de metal com cerca de 20cm que se projetam da asa ou da fuselagem do avião. O ar que entra pelos tubos permite aos sensores medir a velocidade e o ângulo do voo, assim como a temperatura. Um pitot bloqueado ou em mau funcionamento faria o sensor de velocidade funcionar inadequadamente e poderia levar o computador que controla o avião a acelerar ou desacelerar de forma perigosa.
Segundo a revista francesa "Le Point", os sensores externos do Airbus que desapareceu em pleno voo teriam congelado, como mostrou O GLOBO ontem. O problema, relatado numa das mensagens automáticas geradas pela aeronave, teria sido provocado por uma falha no sistema de aquecimento desses equipamentos.
- Se o aquecimento desse equipamento é interrompido, você recebe dados equivocados. Se estiver no piloto automático, o avião trabalha para dar mais potência, elevar a altitude, a partir de informações erradas. Há um caso clássico de queda de avião no Rio Potomac, em Washington, por causa disso - disse ao GLOBO um piloto de A-330, que faz a mesma rota.
Com base nas últimas mensagens enviadas pelo Airbus da Air France, técnicos franceses que apuram o caso e o Cenipa acreditam que uma camada de gelo possa ter inutilizado um dos pitots, fazendo com que o computador de bordo entendesse que estava em velocidade inferior à verdadeira. Esta informação teria feito com que o piloto automático jogasse o Airbus para dentro da turbulência em alta velocidade, desestabilizado-a e provocando pane elétrica e despressurização.
Para especialistas em aviação, a troca dos pitots, dias após uma tragédia aérea, não está sendo feita à toa.
- Se a Air France está trocando, é porque eles realmente apresentam problema. Se fosse apenas uma desconfiança de que poderia ter havido uma falha, examinariam a peça muito bem antes de anunciarem a troca - diz o coronel Franco Ferreira, especialista em segurança de voo. - Essa ordem a Air France de trocar os equipamentos jamais seria dada se a companhia não tivesse eventos anteriores de problemas nas peças.
Para o comandante Carlos Ari Germano, estudioso de acidentes aéreos e autor do livro "No rastro da bruxa", a troca dos pitots pela Air France é um forte indício de que houve falha nos sensores de velocidade do voo 447.
Outra fonte do setor também considera a troca do pitot um indicativo de que pode haver falhas na peça. Ele cita o exemplo de um acidente com um avião da AeroPeru que, ao ser lavado, teve o tubo do pitot coberto por uma fita para evitar a entrada de resíduos. Ao decolar com o tubo do pitot ainda coberto, o avião acabou caindo no Pacífico.
- A máxima da aviação é seguir sempre o instrumento, e nunca a sensação física que se tem. Com a perda do pitot ou um problema neste aparelho, a avião de fato se descontrola, perde seus parâmetros de velocidade. Dentro de uma severa turbulência, o piloto pode ter brigado com o avião, tentanto segurá-lo e, com isso, a pressão para essas manobras fez com que o avião se desintegrasse - diz a fonte.
A mesma fonte fala de relatos de congelamento do pitot por conta de gotículas super-resfriadas que podem tampar o bico do equipamento:
- Para que o descongelamento aconteça são necessários alguns minutos, desde que os sistemas que descongelam o pitot, que emitem pequenos choques, estejam em dia também. Mas, dentro de uma turbulência e com os parâmetros alterados, talvez esse descongelamento automático não tenha ocorrido.
Para Gustavo Cunha Mello, especialista em riscos aeronáuticos e professor da Escola Nacional de Seguros, a velocidade errada do avião da Air France revela que o Airbus que seguia para Paris podia ter problemas de projeto, de manutenção nos pitots ou mesmo no computador de bordo (Adiru).
- Houve um acidente com um avião da Qantas Airlines, de Sidney para Xangai, em outubro de 2008. O piloto automático acelerou demais e depois reduziu bruscamente. Neste caso, o piloto conseguiu desligar o piloto automático, controlar o avião e pousar. O Adiru teria interpretado errado ou recebeu informações equivocadas do pitot - disse o especialista.
Os aviões, lembrou Mello, têm velocidades máxima e mínima para se manter no ar. Elas variam conforme a altura, a pressão, a altitude, a temperatura e, principalmente, o peso:
-- Se a velocidade for reduzida, o avião perde a altitude e vai para o centro da turbulência. Se continuar perdendo velocidade, vai descendo até despencar. Ao aumentar a velocidade, pode até mesmo se desintegrar e desmontar no ar.