Título: Índio não quer fumaça
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 07/06/2009, Economia, p. 27

Depois de um ano de negociações, os índios tembé-ténêtéhar vão assinar esta semana um contrato histórico. Eles passarão a receber dinheiro lá de fora para manter a floresta em pé dentro da reserva, que é um pouco maior que Brasília e as cidades satélites que compõem o Distrito Federal. O contrato de venda de crédito de carbono estava previsto para ser assinado na última sexta-feira, Dia Mundial do Meio Ambiente. Só que as chuvas adiaram a cerimônia. O acordo vai juntar a empresa americana C-Trade e os índios da Terra Indígena Alto Rio Guamá, que vivem no noroeste do Pará. A assinatura do contrato vai ocorrer em Belém.

O presidente mundial da C-Trade, Ronald Schiflett, continua no país, esperando a chegada dos novos parceiros a Belém. Como vai ser um encontro de negócio, o executivo pretende encontrá-los, no dia da assinatura do contrato, vestindo um terno. Os índios também irão a caráter ao encontro, com seus cocares e suas pinturas corporais representando as tradições da etnia, tudo feito à base de jenipapo e urucum. O encontro será feito com tradução simultânea, já que o executivo só fala inglês e alguns dos índios - como os líderes das aldeias -, preferem o tupi-guarani.

As chuvas, que andam castigando as regiões Norte e Nordeste do país impediram os índios de saírem das aldeias onde vivem às margens dos rios Gurupi e Guamá, porque estão bem acima do nível normal. As estradas também estão inundadas.

- A proposta da C-Trade é vantajosa para nós - admite Valdeci Tembé, líder da comunidade Susuarana, uma das 14 aldeias situadas ao sul da Terra Indígena Alto Rio Guamá, às margens do Rio Gurupi, e um dos entusiastas da proposta entre os indígenas com Muxi Tembé, líder da aldeia Tekowau.

Como os tembé-ténêtéhar vivem permanentemente sob ameaça dos madeireiros, a reserva é considerada uma das mais ameaçadas do Pará, de acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai). Sem praticamente nenhuma fonte de renda, a venda de toras de madeira ilegal virou uma das únicas alternativas para algumas das 216 famílias que vivem na terra indígena. Não bastasse os madeireiros que costumam invadir a reserva, parte dela já está ocupada com plantação de maconha. O plantio, segundo os próprios índios, é feito pelos traficantes de drogas.

Cálculos conservadores da C-Trade projetam um retorno financeiro para os índios de R$1 milhão anuais. A oferta feita aos índios prevê que eles ficarão com 85% das vendas do crédito de carbono no mercado internacional e os 15% restantes, com a empresa. Apenas um quarto da reserva será alvo do contrato.

- Estamos vendendo uma ideia de preservação - diz o administrador regional da Funai de Belém, Juscelino Bessa, peça fundamental nesta negociação, que demorou um ano para ser concretizada. - Além de lucrativo, este contrato pode agregar um conteúdo social e étnico aos produtos da floresta.

Para cada hectare de mata nativa preservada, calcula-se que quatro toneladas de gás carbônico (CO2) deixarão de ser jogados na atmosfera.

Além de Bessa, o procurador Felício Pontes, do Ministério Público Federal do Pará, foi fundamental para que a negociação chegasse ao fim.

- Se o Brasil é signatário do Tratado de Kioto, nada mais justo que os indígenas recebam pelos serviços ambientais prestados ao país - diz Pontes.

A Universidade Federal do Pará também foi uma parceira importante, porque definiu um modelo de gestão para utilização dos recursos provenientes da venda dos créditos de carbono. O projeto prevê a criação de uma Bolsa Floresta, a exemplo do Bolsa Família, o que significa que os índios passarão a receber o dinheiro mensalmente para desenvolver projetos sustentáveis na reserva.