Título: Vítimas do descaso do poder
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 07/06/2009, Economia, p. 29

Sem médicos ou remédios, os índios deixam aldeia para se tratar. Madeireiros não respeitam os limites da reserva

Liana Melo

TERRA INDÍGENA ALTO RIO GUAMÁ, Pará. O Laboratório de Malária da aldeia Tekowau está sem equipamentos e remédios. Ao agente de saúde da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Paulo Sérgio Tembé, só resta mesmo recorrer às ervas medicinais encontradas na floresta que circundam a aldeia. Folhas de algodão, de chicória e de hortelã, além de casca de tiriba, são algumas das alternativas para curar doenças mais leves. Quando o estado do enfermo piora, a opção é mesmo viajar até Paragominas, o município mais perto da aldeia, à procura de um médico. Sérgio Tembé lembra que, em 1999, quando a aldeia foi atacada por um surto de malária, a situação foi dramática.

A ausência de médicos nas aldeias da Terra Indígena Alto Rio Guamá é apenas a mazela mais evidente de uma população que sofre de carência crônica de cuidados do poder público.

- Lutamos muito para deixar as florestas para nossos netos - reclama, em tupi-guarani, a "capitoa" dos tembé-ténêtéhar, Verônica Tembé, uma senhora de 90 anos, que vive presa a uma rede, por causa de dificuldades de locomoção, além de não enxergar direito, devido a uma operação de córnea mal feita.

Madeira ilegal é recuperada e vai a leilão

O título de "capitoa" dos tembé-ténêtéhar foi dado a Verônica porque coube a ela lutar pela unificação dos índios da reserva, que vivem divididos entre o norte e o sul da terra indígena. É ela que até hoje, mesmo sem enxergar direito, briga quando ouve as crianças falando em português ou quando tem notícias de jovens que ignoram as tradições culturais da etnia.

Apesar de as terras dos tembé-ténêtéhar terem sido homologadas em 1993, o comércio ilegal de madeira virou regra na terra indígena. Os limites da reserva não são respeitados. O último lote de madeira apreendida, no fim do ano passado, foi de nove mil metros cúbicos de maçaranduba e ipê. Toda a madeira foi a leilão, o que rendeu R$1,3 milhão.

É a primeira vez que Verônica tem notícia de que a madeira vai voltar para a terra indígena não em forma de troncos, mas sim de dinheiro. Pressionada pelos índios, a Fundação Nacional do Índio (Funai) negociou com a secretaria estadual de Meio Ambiente do Pará que o dinheiro do leilão fosse reinvestido na própria reserva.

- Sem briga não conseguimos nada - comenta Sérgio Muxi Tembé, filho de Verônica, e líder da aldeia Tekowau.

Os tembés, que não se cansam de reclamar da ausência do poder público, não hesitam em conseguir o que querem na marra. Eles reivindicam nos canais competentes, mas se o pedido demora a ser atendido, eles simplesmente fazem justiça com as próprias mãos. Recentemente sequestraram um caminhão cedido pela Funai e, apesar da pressão para que o veículo seja devolvido, os índios simplesmente se recusam a entregá-lo.

Ensino médio ainda não chegou às aldeias

Apesar de a educação indígena no Pará estar nas mãos de uma indígena, Puyr Tembé, que trocou a aldeia São Pedro por Belém, ela ainda não conseguiu que o ensino médio chegasse às aldeias. Por enquanto, só mesmo o ensino fundamental. O problema é que quando o jovem cresce, ele fica sem opção para continuar os estudos.

As professoras do ensino modular indígena pulam de aldeia em aldeia. Em cada uma delas, ficam dois meses, até concluir o módulo das disciplinas. Só que com as chuvas recentes que estão castigando a região, muitas professoras não estão conseguindo chegar. É que as estradas estão alagadas e acabam ficando ilhadas no meio do caminho.

Da aldeia até Paragominas, só se chega de caminhão ou de ônibus, que só sai da garagem com um mecânico. O profissional passa o tempo todo da viagem ou consertando o veículos ou refazendo as pontes pela estrada afora.