Título: Tendências da crise
Autor: Mercadante, Aloizio
Fonte: O Globo, 07/06/2009, Opinião, p. 7

Em tempos de crise grave e sistêmica torna-se muito difícil fazer previsões e análises.

Como no caso dos acidentes da aviação, surgem inúmeras hipóteses que tentam explicar os nebulosos acontecimentos. Até que se ache a ¿caixa-preta¿, tudo é conjetura. Como dizia Hegel, a coruja, símbolo grego da sabedoria, é ave que só levanta voo ao anoitecer, quando os fatos já sedimentaram.

Contudo, acredito já ser possível se identificar algumas tendências, ainda que pouco definidas.

A reunião do G-20 em Londres marcou importante ponto de inflexão.

Conseguiu-se fazer o que não foi feito em 1929. As lideranças mundiais demonstraram coesão e propuseram substanciais medidas para o enfrentamento global da recessão. Recuperouse parcialmente a confiança perdida, passo inicial muito importante para reverter as expectativas pessimistas e o pânico.

Porém, essa tendência de recuperação parcial da confiança encontra alguns obstáculos para a retomada do crescimento nas economias avançadas.

EUA, União Europeia e Japão foram muito afetados pela gigantesca bolha financeira especulativa que desencadeou a crise. Mesmo após massivas medidas d e s a n e a m e n t o d o s seus sistemas financeiros, persiste um buraco negro de ativos ¿tóxicos¿ que gera incerteza e esteriliza pacotes de estímulo.

Há ainda o grave problema dos déficits públicos criados para estimular as economias. Incluídas as garantias bancárias, os déficits nos EUA e na União Europeia chegam a cerca de 26% do PIB, pesado fardo que terá como consequências pressão inflacionária e alta dos juros no pós-crise.

Além disso, a retomada do crescimento demandará, notadamente nos EUA, o enfrentamento dos desequilíbrios estruturais que conduziram à crise, particularmente o da queda de competitividade em setores estratégicos, como o da indústria automobilística, cerne histórico do capitalismo norte-americano.

O caso da GM, agora ¿Government Motors¿, é emblemático. Assim, a tendência é que esses países passem por penosa recuperação.

Em contraste, países emergentes como China, Índia e Brasil estão em situação bem melhor.

Entraram tardiamente na crise e não tiveram seus sistemas financeiros muito expostos à bolha especulativa.

Não tiveram também que assumir pesados endividamentos para estimular as suas economias. Tendem, portanto, a enfrentar melhor a recessão e a se colocar em situação vantajosa no cenário pós-crise.

O Brasil, particularmente, está bem posicionado para sair à frente na retomada. Recuperamos a capacidade de implementar políticas anticíclicas e podemos hoje reduzir juros e carga tributária e aumentar gastos, sem comprometer o equilíbrio macroeconômico.

Ademais, o Brasil tem outras vantagens comparativas. Não temos disputas territoriais ou conflitos étnicos e religiosos. Produzimos energias renováveis em abundância.

Em breve, seremos exportadores de derivados de petróleo. Nosso agronegócio, muito competitivo, é poderoso vetor econômico, no quadro atual de desequilíbrio estrutural entre oferta e demanda de alimentos que mantém elevados os preços das commodities agrícolas, mesmo na crise.

Mas talvez a principal vantagem do Brasil seja nosso recente crescimento baseado na distribuição de renda. Programas como o Bolsa Família e do aumento real do salário mínimo ajudaram a retirar milhões da miséria e contribuíram para gerar novo ciclo de desenvolvimento centrado no mercado de massas. Inusitadamente, recente pesquisa do Ipea demonstra que, entre outubro/2008 e março/2009, já em plena crise, cerca de 316 mil pessoas deixaram a pobreza nas cidades brasileiras.

Essa ¿âncora social¿, marca do governo Lula, mostra-se vital para o enfrentamento da recessão e a retomada do crescimento.

Por último, a exitosa política externa brasileira, que tanto aumentou nosso protagonismo internacional, conflui agora harmonicamente com a política externa dos EUA, como ficou demonstrado no episódio da revogação da suspensão de Cuba da OEA, o que contribui para a distensão no continente. Sinal dos tempos. Sinal da tendência da conformação de um mundo menos assimétrico e mais cooperativo.

E, nesse novo mundo que se conforma, a tendência é que o Brasil tenha destaque maior.

ALOIZIO MERCADANTE é senador (PT-SP).