Título: Petrobras ainda financia a fracassada mamona
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 07/06/2009, O País, p. 5

Mesmo após planta ser condenada para biodiesel, estatal repassou verba para entidades ligadas ao MST e à Contag

Bernardo Mello Franco

BRASÍLIA. Criticada por especialistas e condenada em parecer técnico da Agência Nacional do Petróleo (ANP) como matéria-prima do biodiesel, a mamona mantém viva uma rede de convênios entre a Petrobras e cooperativas com ligações políticas no Nordeste. Após inaugurar três usinas, a estatal ainda não produziu uma única gota de combustível com a planta, cujos estoques se amontoam em depósitos na região. Mesmo assim, a empresa acaba de assinar novos contratos com entidades controladas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

De março a setembro de 2008, a Petrobras repassou pelo menos R$3,5 milhões a três cooperativas ligadas à Contag e ao Movimento de Luta pela Terra (MLT) na Bahia e no Ceará. Dois contratos foram fechados com dispensa de licitação, e o terceiro seguiu as regras simplificadas do decreto 2745/98, que dispensa a estatal de seguir a Lei de Licitações. A empresa nega influência política e diz que as entidades foram escolhidas por seguir "critérios e diretrizes de responsabilidade social definidas no programa social da companhia".

A política da mamona agora é comandada pelo ex-ministro do Desenvolvimento Agrário Miguel Rossetto, militante da ala Democracia Socialista do PT, que assumiu a presidência da Petrobras Biocombustível em maio. Com menos de duas semanas no cargo, ele assinou seis novos convênios de assistência agrícola, num total de R$10 milhões. Entre as entidades beneficiadas, estão a Cooperativa de Trabalho das Áreas de Reforma Agrária do Ceará (Cooptrace), do MST, e a Cooperativa de Prestação de Serviços e Assistência Técnica (Copasat), da Contag. A Petrobras não informou o valor repassado a cada uma.

No Ceará, a produção de mamona deveria abastecer a usina de biodiesel de Quixadá, inaugurada no passado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, a fábrica ainda funciona à base de soja e algodão importados de outros estados. Enquanto isso, as sacas de mamona compradas pela Petrobras permanecem armazenadas em dois grandes depósitos, um na cidade e outro no município de Santa Quitéria.

Só a Cooperbio, ligada à Contag, informou ter assinado dois convênios no valor total de R$3,07 milhões desde março de 2008. O maior contrato, de R$1,99 milhão, foi registrado na base de dados da Petrobras como "Patrocínio ao projeto denominado Cooperbio". O presidente da entidade, Antonio Darinho do Nascimento, disse que a função da Cooperbio é organizar os produtores e representá-los junto à estatal:

- Tem o público do MST e tem público da Contag. Nós é que fazemos o intercâmbio entre os agricultores e a Petrobras.

O dirigente elogiou o programa de biodiesel, mas disse ignorar o destino da mamona plantada pelos agricultores filiados a sua cooperativa. Ele admitiu apenas que parte da safra do ano passado, colhida à base de incentivos da estatal, foi desviada por atravessadores para a indústria ricinoquímica;

- A maior parte quem comprou foi a Petrobras. Agora, o que ela está fazendo, eu não sei - afirmou.

Perguntada sobre o destino das sementes, a Petrobras informou apenas que "não está havendo desvio de finalidade dos investimentos", e que "a mamona comprada dos agricultores familiares será usada para extração do óleo". No ano passado, a estatal comprou 1.506 toneladas de mamona de agricultores familiares. Pela cotação média de R$1,04, a safra teria custado R$1,56 milhão, sem virar biodiesel. A empresa gastou mais R$4,9 milhões na distribuição gratuita de sementes.

Especialista em biodiesel, o professor Donato Aranda, da UFRJ, critica a insistência.

- A viscosidade da mamona é três vezes maior do que a de qualquer outro óleo vegetal, o que pode causar desgaste precoce dos motores e queimar o filme de todo o programa do biodiesel. Não está claro, para quem estuda o assunto, por que insistir nela como matéria-prima para biocombustíveis - afirmou.