Título: Governo recomenda veto à lei
Autor: Veleda, Raphael; Amorim, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 26/03/2009, Cidades, p. 34

SEQUESTRO RELÂMPAGO

Técnicos do Ministério da Justiça vão sugerir que o presidente Lula não sancione o projeto aprovado pelo Senado porque consideram que o texto não tipifica o crime. Especialistas divergem sobre o tema

-------------------------------------------------------------------------------- Raphael Veleda e Diego Amorim Da equipe do Correio

A criação de uma lei que tipifica o crime de sequestro relâmpago não é suficiente para diminuir a incidência do crime na opinião de especialistas em segurança pública e do próprio Ministério da Justiça, que vai sugerir ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que não sancione o projeto aprovado pelo Senado na última terça-feira. O crime de extorsão mediante privação de liberdade com a finalidade de vantagem econômica foi discutido no Congresso Nacional durante cinco anos.

Hoje, o crime conhecido como sequestro relâmpago, no qual a vítima é rendida, normalmente, quando chega ao carro e é obrigada a realizar saques em caixas-eletrônicos, é tipificado como extorsão ou roubo qualificado, com penas que chegam a dez anos de reclusão. A nova legislação, proposta por Rodolfo Tourinho, senador pela Bahia na época, prevê pena de reclusão de seis a 12 anos nos casos mais brandos. Se houver lesão grave da vítima, a penalidade sobe para 16 a 24 anos de cadeia e chega a 30 anos em caso de homicídio.

Para que entre em vigor, a lei precisa ser aprovada pelo presidente Lula. Algo que não deve ocorrer, na opinião do secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, para quem o veto é evidente do ponto de vista técnico. Na avaliação dele, a proposta não tipifica o sequestro relâmpago e, na intenção de tornar mais clara a lei, pode acabar provocando ¿uma confusão jurídica ainda maior. Tipificar é tornar crime algo que ainda não é. O sequestro relâmpago já é encarado como crime. Todo mundo que o comete e é preso acaba penalizado¿, comenta.

Abramovay acredita que, caso a lei seja sancionada, o número de sequestros relâmpago não diminuirá. ¿É uma ilusão achar que esse projeto vai diminuir a violência. As pessoas não estão sequestrando porque a pena é baixa¿, destacou o secretário. ¿Vamos sugerir, mas claro que o veto não é uma decisão apenas técnica. Ela é também política e cabe ao presidente¿, completou.

Para os técnicos do Ministério da Justiça, o projeto aprovado pelo Senado gera ¿interpretações literárias¿ do Código Penal, o que geralmente contribui para a impunidade. Segundo Abramovay, a proposta pode ser entendida de maneiras completamente diferentes por promotores e juizes. ¿Em alguns casos, o projeto prevê pena maior do que para homicídio simples (de seis a 20 anos de prisão). Falta proporcionalidade¿, exemplificou.

O projeto ainda não chegou às mãos do presidente. Quando isso ocorrer, provavelmente até o fim da próxima semana, Lula comunicará os ministérios relacionados ao tema para que emitam pareceres ¿ entre eles, o da Justiça, que já está com o documento pronto. Em 15 dias, a contar do recebimento do projeto, o presidente terá de decidir pelo veto ou sanção. De acordo com a assessoria do Palácio do Planalto, Lula tende a acatar os pareceres dos ministérios, caso sejam unânimes.

Críticas O jurista e ex-reitor temporário da Universidade de Brasília Roberto Aguiar tem opinião similar à do Ministério da Justiça. Para ele, os legisladores deveriam se preocupar em modernizar o código penal em vez de criar novos crimes. ¿O que motiva o criminoso é a morosidade da Justiça. O preso precisa chegar a julgamento mais rápido para que a sociedade perceba mudanças nos índices de criminalidade¿, opina ele, que também foi secretário de Segurança no Rio de Janeiro e no Distrito Federal.

¿Temos que olhar com clareza o código de processo penal e modernizá-lo. As nossas punições, baseadas quase que apenas na restrição de liberdade, são ultrapassadas. Todo mundo sabe que cadeia não recupera o cidadão, mas o transforma em criminoso pior¿, completa ele, que acredita em uma reforma penal ¿ como são pensadas as reformas política e fiscal ¿ como forma de diminuir os índices de criminalidade.

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Raimundo Cezar Britto, que já havia se manifestado contrário ao projeto em ocasiões anteriores, voltou a criticá-lo. ¿É errada a ideia de que se combate crime mexendo na tipificação. A violência é mais estimulada pela impunidade, pela morosidade da Justiça e pelas falhas no aparato policial¿, comentou.

Aprovação O desembargador Walter Maierovitch, do Tribunal de Justiça de São Paulo, pensa diferente e defende a criação da legislação. ¿Recriação, na verdade¿, destaca. ¿O crime de extorsão mediante sequestro já foi tipificado no Brasil. E como crime hediondo, que previa que a pena ¿ que era alta ¿ fosse cumprida integralmente em regime fechado. Uma situação que, depois, foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal¿, conta ele.

Segundo Maierovitch, que também é conselheiro da Associação Brasileira dos Constitucionalistas/Instituto Pimenta Bueno da Universidade de São Paulo (USP), a tipificação foi extinta em 1996, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. ¿Ele cedeu à pressão dos governadores, já que as prisões do país estavam lotadas e não se podia soltar os detentos. O crime passou a ser considerado, então, roubo qualificado. O resultado foi um aumento da incidência. Eu vi que aí em Brasília a incidência aumentou 30% em um ano. Em São Paulo são três por dia, talvez mais por causa da subnotificação¿, explica.

Ao aprovar a nova lei, para o jurista, o Congresso está fazendo sua parte na tentativa de reduzir o crime. ¿O legislativo ouviu a voz popular, que entende que esse crime é sequestro e não roubo. Espero que o presidente sancione para que tudo volte ao normal¿, declara ele, que admite, no entanto, que a lei não vai trazer resultados sozinha. ¿Precisamos de uma política criminal precisa, como existe para a saúde ou economia. Nosso código penal foi criado em 1940 e hoje é uma colcha de retalhos¿, conclui.