Título: A sociedade secreta do Senado
Autor: Vasconcelos, Adriana
Fonte: O Globo, 11/06/2009, O País, p. 3

Mais de 300 atos sigilosos criaram cargos e nomearam, inclusive neto de Sarney.

Líderes governistas e de oposição defenderam ontem a anulação de cerca de 300 atos que nunca foram publicados no Boletim Administrativo do Senado, mas serviram, ao longo dos últimos dez anos, para nomear parentes e amigos, criar cargos e aumentar salários, sem causar qualquer constrangimento a senadores, titulares da Mesa Diretora e diretores da Casa. O procurador do Ministério Público junto ao TCU, Marinus Marsico, também anunciou que pedirá a anulação desses atos.

Segundo reportagem de ontem do jornal "O Estado de S. Paulo", há 45 dias uma comissão designada pelo 1º secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), começou a identificar esses atos secretos, que agora passaram a ser publicados em boletins suplementares. Entre elas, a exoneração de João Fernando Michels Gonçalves Sarney, de 22 anos, neto do presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP).

A demissão secreta do neto de Sarney teria ocorrido para não revelar a existência de um parente não concursado do senador na Casa, quando o Senado aplicava a súmula antinepotismo aprovada pelo Supremo Tribunal Federal, ano passado. João Fernando trabalhou por um ano e oito meses como secretário parlamentar no gabinete de Epitácio Cafeteira (PTB-MA), que ontem confirmou que o empregou porque devia favores ao filho mais velho de Sarney, Fernando Sarney. Apesar de não ter curso superior, o rapaz recebia salário de R$7,6 mil.

- Fernando me ajudou muito na reconciliação com Sarney, então quis retribuir e ofereci um emprego para o filho dele. Não falei com o Sarney quando o contratei - disse Cafeteira.

- A nomeação não foi secreta, vejam aqui o Boletim Administrativo de 1º de fevereiro de 2007, o que mostra transparência total, e que ninguém queria esconder nada. Por isso, não passava pela minha cabeça que a exoneração pudesse ser secreta. Muito menos para me blindar. O que posso dizer é que mandamos publicar todos os boletins que não foram publicados ao longo do tempo, durante a minha administração. Não tinha ideia que isso acontecia - defendeu-se Sarney.

Lista completa só em uma semana

Ao longo do dia, cresceu a cobrança pela anulação dos atos.

- Todos esses atos devem ser anulados pela Mesa. Isso é um princípio básico e serve para preservar o Senado de eventuais fraudes - cobrou o líder do PT, Aloizio Mercadante (SP).

- Sendo ato secreto, é difícil quem quer que seja tê-lo assinado, ter corroborado. Não consigo ver isso - emendou o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM).

Só após receber o relatório final da comissão que designou é que Heráclito deverá identificar os responsáveis pela omissão. Esse relatório deveria ser entregue amanhã, mas como Heráclito viajou ontem para São Paulo, para se submeter a uma cirurgia, a divulgação da lista completa deverá demorar pelo menos mais uma semana.

- Seria precipitação anunciar agora qualquer punição - disse.

Entre os atos secretos identificados pelo "Estadão" estão a nomeação e exoneração de Maria Eliane Padilha, mulher do deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS), na Advocacia Geral, e a criação de 25 cargos de confiança, de R$2,2 mil, na Diretoria Geral. Também consta a nomeação de João Carlos Zoghbi Filho e de Luiz Fernando, filho e irmão, respectivamente, do ex-diretor de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi, ambos na Diretoria Geral.

Ficou escondida a nomeação e exoneração de Marlene Galdino, ex-presidente da Câmara de Murici (AL), que tem como prefeito o filho de Renan Calheiros (PMDB-AL). É o caso também de Luiz Cantuária, ex-presidente da Assembleia Legislativa do Amapá, nomeado para o Conselho Editorial do Senado, presidido por Sarney.