Título: Surpresa no corte de juros
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 11/06/2009, Economia, p. 25

Mesmo com PIB melhor que o esperado, taxa básica cai 1 ponto e fica, pela 1ª vez, com um dígito

Num movimento que pegou de surpresa o mercado, mas deixou o setor produtivo e o governo satisfeitos, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu ontem reduzir a taxa básica de juros, a Selic, de 10,25% para 9,25% ao ano, mantendo o mesmo ritmo de corte da reunião anterior, em abril. A decisão, que não foi unânime, também levou o país para um feito histórico: pela primeira vez os juros básicos são de apenas um dígito. Desde a sua criação, em 1986, o Brasil nunca havia trabalhado com uma Selic abaixo de 10% anuais. A agressividade do Copom, avaliam os especialistas, indica que a atividade econômica precisa de mais estímulos.

- É a primeira vez, neste ano, que o Copom toma uma decisão que não era consenso de mercado, que apostava num corte de 0,75 ponto percentual. Isso mostra que a economia está operando abaixo do seu potencial - afirmou o economista-chefe do WestLB, Roberto Padovani.

A decisão de ontem do Copom veio rachada. Seis diretores optaram pelo corte de um ponto e dois por apenas 0,75 ponto. Num longo comunicado, a autoridade monetária deixou claro que deverá, daqui para frente, reduzir a intensidade dos cortes, se eles vierem.

"Levando em conta que mudanças da taxa básica de juros têm efeitos sobre a atividade econômica e sobre a dinâmica inflacionária que se acumulam ao longo do tempo, o Comitê concorda que qualquer flexibilização monetária adicional deverá ser implementada de maneira mais parcimoniosa. O Copom acompanhará atentamente a evolução do cenário prospectivo para a inflação até a sua próxima reunião, para então definir os próximos passos da estratégia de política monetária", diz a nota.

Em janeiro passado, o Copom já havia tomado uma decisão sem unanimidade. Naquele momento, cinco diretores também optaram por um corte de um ponto - que levou a Selic a 12,75% - e três por uma redução de 0,75 ponto percentual. A repetição do dissenso agora volta a se evidenciar, avaliam agentes de mercado: os diretores Mário Mesquita (Política Econômica) e Mário Torós (Polícia Monetária), com perfil mais conservador, podem estar perdendo força dentro do Banco Central (BC).

O mercado esperava uma ação mais conservadora do Copom ontem, porque entendia que os dados sobre atividade divulgados na terça-feira pelo IBGE mostravam um cenário menos pessimista. E, assim, poderia eventualmente pressionar a inflação. Segundo o IBGE, a economia do país encolheu 0,8% no primeiro trimestre deste ano, quase a metade do que era esperado pelo mercado e o próprio governo (-1,5%). Vários agentes até chegaram a trocar suas estimativas sobre a Selic, de um corte de um ponto para 0,75 ponto.

- Os dados do PIB e do IPCA poderiam sustentar o conservadorismo do BC. Ele avalia os passos sempre pensando mais a longo prazo, no que vai acontecer no próximo ano - resumiu o consultor econômico do Itaú Unibanco, Tomas Malaga, que havia revisado seus números ontem, antes da reunião do Copom terminar.

Brasil tem 3ª maior taxa real do mundo

Além da atividade econômica fraca, a inflação sob controle ajudou o Copom a optar por um corte maior do que o esperado. As expectativas apontam para um IPCA abaixo do centro da meta, de 4,5% tanto em 2009 quanto em 2010. Pelo último Focus, o mercado projeta o indicador em 4,33% neste ano. Ou seja, caberiam mais cortes na Selic.

O dólar abaixo de R$2, que atinge as exportações brasileiras, também foi usado pelo Ministério da Fazenda como arma de pressão sobre o Copom. Na avaliação do órgão, quanto menor o juro, menos investimentos estrangeiros no mercado financeiro o país receberia, facilitando a recuperação da moeda americana. O BC, no entanto, alega que o movimento de queda do dólar é mundial, e não local.

A chegada da Selic ao patamar de um dígito também deixa mais urgente a questão da poupança, cuja rentabilidade (0,5% ao mês mais a variação da Taxa Referencial) vai, definitivamente, ficar maior do que a dos fundos de investimento. Isso significa que os grandes aplicadores poderão migrar para a caderneta e, assim, causar um desequilíbrio nos mercados. Na avaliação dos especialistas, o governo terá de tirar do papel medidas anunciadas recentemente, como a cobrança de Imposto de Renda (IR) de depósitos acima de R$50 mil na poupança e a redução do IR dos fundos.

Mesmo com a Selic baixando a um nível histórico, o Brasil se mantém na terceira posição entre os países com as maiores taxas reais de juros (acima da inflação) do mundo. De acordo a consultoria Up Trend, com a Selic a 9,25% ao ano, o juro real brasileiro vai a 4,9%, menor apenas que o da China, 6,9% ao ano, e da Hungria, 5,9%.

- A China e a Hungria seguem firmes no topo do ranking e pouco deve mudar em relação a esse cenário, devido à manutenção da política de juros chinesa e à mudança cambial na Hungria (o país teve que fazer uma maxidesvalorização de sua moeda porque estava sofrendo fuga de capitais) - observa Jason Vieira, economista-chefe da Up Trend.

O juro real no Brasil, porém, continua exageradamente alto diante das taxas dos países industrializados e também de Rússia e Índia, dois emergentes que integram o grupo dos Brics. A taxa real russa hoje é negativa em 0,7%, enquanto a indiana é de menos 6%, segundo a Up Trend.

- O Brasil segue como um dos melhores pagadores de juros do mundo - afirma Vieira.

COLABOROU: Ronaldo D"Ercole