Título: Brics salvam montadoras
Autor: Novo, Aguinaldo; Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 15/06/2009, Economia, p. 15

Com derrocada de gigantes dos EUA, líderes de emergentes terão 30% das vendas globais

A crise global, que atropelou duas das três gigantes americanas do setor automotivo (General Motors e Chrysler) e fez a outra (Ford) enxugar drasticamente suas operações, vai aumentar a importância dos mercados emergentes para essa indústria. Estudo da PricewaterhouseCoopers mostra que a participação de Brasil, China, Índia e Rússia - que formam o chamado Bric - vai pular de 21% das vendas de automóveis em 2008 para até 30% em 2015. Nesse mesmo período, os EUA e as economias da Europa terão queda ou, na melhor das hipóteses, estagnação nos níveis de produção.

A Price estima ainda que a crise global vai engolir 31,2 milhões de carros em 2009. Este número representa a diferença entre a produção estimada para o ano (de 54,8 milhões) e a capacidade instalada total da indústria (de 86,8 milhões de carros). É como se quase 12 anos de produção no Brasil ficassem encalhados. Em relação a 2008, a queda na produção global chegará a 17%, no pior patamar desde 2001. A ociosidade nas fábricas deve chegar próximo dos 40%, contra 25% em média no ano passado.

Pelo estudo da consultoria, Brasil, China, Índia e Rússia vão fabricar 24,3 milhões de veículos em 2015, para uma produção global de 81,1 milhões de unidades. A estimativa considera apenas automóveis leves. A fatia dos EUA, que em 2008 responderam por 13% da fabricação mundial de carros, não deve passar de 12%.

- Sem os emergentes, a recuperação do setor demoraria muito mais - diz Marcelo Cioffi, sócio da Pricewaterhouse do Brasil.

Nesse processo, a China, que já ultrapassou a Alemanha como o terceiro maior mercado de veículos do mundo, também vai roubar do Japão o título de maior produtor - o que está previsto para 2012 (serão 11 milhões contra 9,8 milhões de unidades). Enquanto nos EUA existe hoje um carro para cada 1,2 habitante, na China essa relação é de apenas 18,6; na Índia, chega a um automóvel em cada grupo de 67 pessoas. A recuperação econômica projetada para os próximos anos, somada à produção de modelos que Cioffi define como de "ultra baixo custo", devem garantir os resultados das montadoras nesses países.

Setor será dominado por grupos da Ásia

Além disso, empresas com DNA asiático deverão ganhar espaço no mercado global. Em meio ao encolhimento forçado das três gigantes americanas - GM, Chrysler e Ford -, afogadas em projetos de reestruturação que as deixarão ou bem menores do que eram (caso da concordatária GM e da Ford) ou parte de um outro conglomerado (Chrysler-Fiat), analistas da indústria automobilística preveem uma era de domínio asiático no setor. Num ambiente onde escala e a busca por modelos econômicos e ecológicos darão o tom da produção, indústrias de países ricos e emergentes asiáticos são sérias candidatas a abocanhar boa parte do mercado global com a queda das "Três Grandes dos EUA".

Para Michael Robinet, vice-presidente da área de previsão global da consultoria CSM Worldwide, uma das maiores empresas de pesquisa do setor, as montadoras asiáticas - com destaque para as japonesas Toyota e Honda, a sul-coreana Hyundai e até a franco-japonesa Renault-Nissan - tendem a avançar sobre os espaços deixados pelas americanas, especialmente na categoria de sedãs médios e mais econômicos, uma tendência de mercado em tempos de aquecimento global e petróleo em alta.

- O mercado automobilístico será chacoalhado nos próximos anos como nunca se viu, com a Toyota tomando a liderança definitiva - diz Robinet. - A palavra de ordem é escala e eu concordo com o presidente do grupo Fiat, Sergio Marchionne, quando ele diz que as empresas que não fizerem pelo menos seis milhões de carros por ano, de forma global e com fábricas em mercados realmente competitivos, não terão vez.

Custo Brasil freia expansão no país

Por conta disso, dez grandes grupos dominarão 90% do mercado com produções anuais entre cinco e seis milhões de carros: Toyota (Japão), Ford (EUA), GM (EUA), Volkswagen (Alemanha), Hyundai (Coréia do Sul), Honda (Japão), Renault-Nissan (França/Japão), PSA (França), Fiat-Chrysler (Itália-EUA) e BMW (Alemanha).

O que significa que as grandes fusões e aquisições, como a recente compra da americana Chrysler pelo grupo Fiat, e as grandes parcerias acionárias, como a da franco-japonesa Renault-Nissan, devem se acelerar para dar escala a um setor obcecado por custos pequenos. É exatamente neste segmento que a China tem sua grande chance de expansão global, especialmente através das montadoras Geely e Chery.

Para Bernard Swiecki, gerente sênior de Projetos e analista do Centro de Pesquisa Automotiva (CPA), a queda das três grandes americanas marca o início de uma nova indústria, baseada em preços competitivos, carros econômicos e amigáveis com o meio-ambiente, além de tecnologicamente avançados - equipados com GPS ou tocadores de mp3, por exemplo.

O futuro das montadoras é asiático, mas o Brasil também terá espaço, porém bem menor do que seus pares nos Brics. A Price projeta crescimento de 28% da produção local até 2015, contra 78% na China, 87% na Rússia e 121% na Índia. Aqui, a relação é de um automóvel para 7,9 habitantes.

Sócia da consultoria MB Associados, Tereza Maria Fernandez acredita que o potencial do mercado interno brasileiro continuará sendo um atrativo para as montadoras, mas chama a atenção para alguns riscos. Enfrentando índices recordes de ociosidade em seus próprios países, as matrizes das montadoras devem engavetar novos projetos de expansão no Brasil. No campo externo, as montadoras também devem priorizar exportações de países como China, fugindo do peso de tributos e custos que encarem a produção brasileira.

- O mercado interno tem potencial para crescer entre 1% e 2% acima da média da economia todos os anos. É algo razoável. Mas, claro, é um risco depender só disso para continuar crescendo - afirma ela.

Das 800 mil unidades exportadas pelo Brasil, quase 60% têm como destino a Argentina e o México. Se a África do Sul for acrescentada a essa lista, a dependência chega perto de 68%.

(*)Correspondente