Título: Energia de sobra à espera de obras
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 14/06/2009, Economia, p. 25

Questões ambientais ou indígenas reduzem em 20% capacidade de geração no Brasil

Adespeito do discurso otimista do governo, a expansão do sistema elétrico nacional está esbarrando em entraves ambientais e jurídicos envolvendo questões indígenas. Aguardando esse sinal verde, o país está deixando de iniciar a construção de hidrelétricas capazes de produzir cerca de 19,5 mil megawatts (MW) de energia nos próximos anos, quase 20% da atual capacidade de geração brasileira. De acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), estão atrasados pelo menos 18 empreendimentos hidrelétricos, que representam três vezes a potência das duas usinas do Rio Madeira - Jirau e Santo Antonio - em Rondônia, as maiores obras do setor em andamento. As novas hidrelétricas são consideradas fundamentais para possibilitar o crescimento do país, a um custo menor, na comparação com outros tipos de geração de energia.

Jirau, com seus 3.300 MW de potência, deixou de fazer parte da conta dos atrasados no início de junho, mas protagonizou um episódio exemplar dos problemas vividos pelo setor elétrico. Por semanas, a empresa Energia Sustentável do Brasil travou uma queda de braço com os governos de Rondônia e de Porto Velho em torno da mitigação do impacto ambiental. Enquanto isso, a obra ficou parada. Só depois de se comprometer a pagar mais R$114 milhões em ações para prefeitura e estado, a obra foi liberada pelo Ibama.

Em outro front, a polêmica usina de Belo Monte viu paralisada a discussão pública do seu Estudo de Impacto Ambiental (EIA) por uma decisão da Justiça Federal do Pará. O juiz Antonio Carlos de Almeida argumentou que não foi entregue laudo antropológico do impacto sobre os indígenas da região. Com 11.181 MW de potência, Belo Monte será uma das maiores usinas do país, e o governo pretende leiloá-la até setembro.

As questões ambientais afetam obras de todos os tamanhos. De acordo com balanço da Aneel, obras de menor porte, como a Usina de Baú 1, em Minas Gerais, esbarrou em divergências com a prefeitura de Ponte Nova. Já na usina de Olho D"Água, em Goiás, foi identificado um corredor de mata virgem remanescente em sua área. No Paraná, as usinas de Cachoeirinha e São João tiveram o licenciamento suspenso pelo órgão ambiental estadual, e falta ainda o Ibama declarar a autonomia do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) para retomar os estudos.

Empresários: avanço insuficiente

Para o país, os atrasos podem representar problemas na próxima década. Essa energia, que só deverá ser gerada a partir de 2012, será fundamental para dar segurança ao abastecimento energético. Se demorarem demais, alerta uma fonte da área energética do governo, o país não sofrerá um apagão, mas terá de optar pela energia térmica, mais cara e potencialmente mais poluente que a hidrelétrica.

- Para termos tarifas mais baratas no futuro, é importante aumentar a geração hidrelétrica. Caso contrário, não haverá falta de energia, mas as distribuidoras terão de comprar de fontes bem mais caras. Vai sobrar para o consumidor - disse a fonte.

Só o sétimo balanço oficial do PAC aponta formalmente que cinco empreendimentos têm questionamentos indígenas e sobre ameaça à fauna e à flora. Isso deixa na berlinda a geração de 6.312 MW de energia, incluindo o estudo de inventário da Bacia do Rio Juruena (AM/MT) e o estudo de Viabilidade de parte do Rio Ji-Paraná (RO).

Para os empresários do setor, esses exemplos preocupam. O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Salles, que reúne as empresas do setor, diz que ocorreram avanços na forma de concessão de licenças nos últimos anos, mas não são suficientes. O Ibama reduziu em cerca de um ano os prazos para análise e concessão das licenças, mas outros problemas persistem.

"Quando país crescer problemas virão"

Salles admite que do lado empresarial há estudos ambientais malfeitos, que atrasam as concessões. Porém, do outro lado, há sobreposição de funções entre governos federal, estaduais e municipais, que fazem o processo andar mais devagar:

- Projetos de interesse nacional, que envolvem bilhões em investimentos, estão se deparando com questões adicionais dos governos locais. Eles impõem condições não previstas, que paralisam as obras.

Os ambientalistas questionam as críticas ao licenciamento. Segundo Sérgio Leitão, diretor de Campanhas do Greenpeace, as licenças são uma garantia à sociedade de que os empreendimentos hidrelétricos seguem a lei.

O consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-estrutura (CBIE), afirma que ainda falta aprovação de uma legislação que determine os limites de atuação de cada ente federativo, para evitar a sobreposição de poderes. Na Câmara dos Deputados está na fila de votação, há mais de um mês, um projeto de lei que regulamenta o artigo 23 da Constituição e estabelece o papel dos órgãos federal, estaduais e municipais.

- Quando o país voltar a crescer, esse problema que atinge várias usinas voltará à tona. E, até agora, nenhuma medida legal para resolver o problema foi aprovada no Congresso. Com isso, o problema das licenças vai continuar - diz Pires.

O governo tem repetido que o licenciamento ambiental deixou de ser um problema. Durante o balanço do PAC, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, pediu a palavra para enfatizar que as autorizações têm sido facilitadas na esfera federal e anunciou uma nova rodada de simplificação, a "Destrava 2". Em vez de a concessão de licença ocorrer caso a caso, será avaliada a bacia hidrográfica como um todo, agilizando o processo.