Título: O país tem futuro e voltará a crescer mais devagar
Autor: Cristina, Léa
Fonte: O Globo, 14/06/2009, Economia, p. 28

Investimento vai cair e a recuperação ainda deve demorar. Segundo economista, Brasil não crescerá este ano

Fundador da MB Associados, ex-secretário de Política Econômica e membro do Conselho de Administração da BM&F Bovespa, o economista José Roberto Mendonça de Barros não vê o Brasil crescendo este ano, mas aposta numa expansão de 3% em 2010. Para ele, ao contrário de países como Japão, Itália, México e Argentina, o Brasil tem futuro. "China, Índia e Brasil têm futuro. Essa é a diferença. Aqui vai voltar o desejo de investir, vão voltar as oportunidades. Nesse sentido, nós saímos bem da crise. Vão sair primeiro da crise os países que têm futuro." Mendonça de Barros diz que as fusões vão continuar no Brasil e no mundo e o próximo setor da lista é o de açúcar e álcool.

Cássia Almeida

Como ficam as projeções para a economia após o resultado do PIB (conjunto de bens e serviços produzidos no país) ter sido melhor que o esperado?

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS: É certo que ao longo do ano o desempenho da economia tende a melhorar. No último trimestre, deve crescer 2,9% e, no ano que vem, 3%.

Como vão se comportar os investimentos?

MENDONÇA DE BARROS: A taxa de investimento sobre o PIB vai cair para 18,5%. O consumo de máquinas, maior indicador de investimento, sugere queda de 23% para o ano. Há um processo de fusão e aquisição. Quando existe fusão nessa circunstância, o investimento encolhe. A otimização significa fechar fábrica e demitir gente, ou seja, o contrário do investimento. O setor de frigoríficos teve uma concentração grande e já demitiu mais de sete mil pessoas. E isso deve continuar. O que a gente tinha em 2007 e 2008 era uma animação absolutamente universal entre os empresários para investir. Essa animação desapareceu. Foi substituída por apreensão e recuperação judicial. Fazer esse grupo enorme se entusiasmar de novo demora.

Quanto tempo?

MENDONÇA DE BARROS: Uns dois a três anos. A taxa de investimento deve demorar um ano e meio para voltar aos 19%. Mas é bom o cenário, é sinal de que temos futuro. Quando comparamos com Japão, Itália, México, Argentina vemos que são países que não têm futuro. A China, a Índia e o Brasil têm futuro. Essa é a diferença. Vai voltar o desejo de investir, vão voltar as oportunidades. Nesse sentido, nós saímos bem da crise e vão sair primeiro da crise os países que têm futuro.

E as exportações?

MENDONÇA DE BARROS: As exportações de manufaturados, que respondem por metade do total, estão caindo pesadamente. Até maio, perto de 20%. Essas exportações representam 23% da produção industrial. Se eu tiro um belo pedaço das exportações, eu empurro para baixo a produção industrial que, por sua vez, deprime o PIB. E isso reforça a queda do investimento, é só ver a Vale. Os projetos de investimento foram adiados por causa da queda das exportações. A última coisa é o dólar barato. Está em R$1,94 e nos próximos dois, três meses, pode chegar a R$1,80. Nesse preço, as exportações ficam menos competitivas. Até o fim do ano, os dois fatores não devem se alterar significativamente.

E os fatores que estão ajudando?

MENDONÇA DE BARROS: Dificilmente o gasto público vai subir mais, porque já está subindo muito. O consumo das famílias deve continuar razoável, entretanto, a taxa de desemprego ainda pode aumentar um pouco, fruto do adiamento dos investimentos. O grande ganho da renda dos assalariados, que é o salário mínimo, e tudo que ele empurra, já aconteceu. O que vai ajudar mais é redução do juros e a volta do crédito. O consumo das famílias vai crescer, por isso o PIB melhora, mas no conjunto do ano continuamos pensando em zero, também para o consumo das famílias.

Não é o melhor dos resultados...

MENDONÇA DE BARROS: Se olharmos para o que está acontecendo em uma porção de outros países, é um bom resultado. Está cheio de boas famílias caindo 2%, 3%, 4% e 5%. Mas se olharmos que vínhamos crescendo mais de 6% e vamos baixar para zero é uma freada brusca.

E as fusões vão continuar?

MENDONÇA DE BARROS: Sem sombra de dúvida. No Brasil, o maior candidato é o setor de açúcar e álcool. Setor familiar e tradicional, muito antigo e mal gerenciado. Começou uma certa consolidação com a Cosan (atual dona da Esso). Foi reforçada por grandes processadores de alimentos, como a Cargill. O segundo lote veio com as petroleiras, como a Petrobras e a Repsol, por causa do biocombustível. O mapa já mudou e a crise acelerou essa mudança de forma determinante. Daqui a dois, três anos teremos uma concentração gigantesca.

Como será essa crise, quando olhamos o abecedário?

MENDONÇA DE BARROS: No abecedário, o V, uma crise rápida, já ficou para trás. A segunda letra que afundou foi o L, já que há sinais de recuperação pipocando em todos os lados. O cenário básico é uma crise em U, recuperação lenta. Mas a melhoria de fundamento só Índia e China, onde caiu um pouco e já está bombando de volta. Deve crescer mais de 8% este ano e voltar a crescer a dois dígitos em 2010. E a Índia vai na mesma direção.

Mas há o risco de termos o W, nova retração mundial?

MENDONÇA DE BARROS: Os Estados Unidos terão que pôr uma montanha de papéis no mercado para financiar sua dívida. O FMI (Fundo Monetário Internacional) estima que a dívida pública americana sobre o PIB ficará em 80%, hoje está um pouco abaixo de 60%. As taxas de juros de longo prazo subiram. Os papéis de dez anos voltaram para 4% ao ano, e o de 30 anos bateu 5%. Juro mais alto mata qualquer recuperação. Isso pode ser ainda pior. A expansão monetária tão fenomenal pode trazer de volta a inflação. O mesmo acontece na Europa.

Quais as chances de esse cenário pior acontecer?

MENDONÇA DE BARROS: A disputa do U com W é real. Apostamos numa recuperação lenta, então a crise em U, mas há uma chance entre 35% e 40% de ser em W.