Título: O ABC da crise no Brasil e no mundo
Autor: Cristina, Léa
Fonte: O Globo, 14/06/2009, Economia, p. 28

País vive clássico ciclo da letra U: tombou, parou por tempo curto e agora vai crescer

Sopa de letrinhas. Normalmente, usa-se essa expressão para falar da mistura de códigos que dificulta a compreensão das coisas. Mas, em meio a uma questão tão complexa quanto a crise internacional, está acontecendo justamente o contrário: os economistas resolveram se valer dos sinais gráficos para explicar os diferentes cenários que temos à frente. Quase num consenso, dizem que o Brasil vive a situação representada pela letra U, ou seja, o ciclo clássico de uma crise - ao tombo, segue-se um período relativamente curto de estagnação para, depois, voltar a crescer. Mais do que isso, segundo eles, nossa economia já saiu da base do U, quer dizer, do fundo do poço.

China e Índia - dois outros emergentes -, embora tenham reduzido o ritmo de crescimento, ficaram longe da recessão. Mas, para o resto do mundo, o poço seria mais longo. No caso de EUA e alguns países da Europa, o cenário preferido dos economistas é o U alongado, com estagnação maior. Em situação delicada, estariam Leste da Europa, Japão e talvez Itália, Portugal e Espanha. Para estes, a letra é o L: depois da queda, longa paralisação.

Tombo do investimento é risco para o crescimento

Na semana passada, a divulgação do PIB do primeiro trimestre (queda de 0,8% sobre os três meses anteriores) serviu de injeção de ânimo para os analistas da economia brasileira. É certo que confirmou-se a recessão técnica (dois trimestres seguidos de perdas), que a taxa da indústria foi de -3,1% e, pior que tudo, os investimentos caíram 12,6% - é bom lembrar que o investimento do presente é o crescimento do futuro.

Mas a queda do PIB ficou bem abaixo do esperado (previa-se até -2,5%), por conta da expansão de 0,8% do setor de serviços (que responde por mais de 60% do PIB). E, isso, puxado pelo consumo das famílias (0,7%).

- O PIB que todos erraram mostrou que, no acumulado do ano, já podemos ter, inclusive, uma taxa ligeiramente positiva - avalia o economista Luiz Roberto Cunha, da PUC/RJ, responsável pela maioria das projeções do gráfico acima.

O economista Raul Velloso, por sua vez, concorda que o pior já ficou para trás, mas alerta que os investimentos precisam crescer, sob pena de a economia patinar. De qualquer forma, espera números positivos daqui para a frente: prevê um PIB entre 0% e 1% em 2009.

Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central (BC), faz coro com os colegas, diz que o PIB de 2010 será 3,5% maior e acredita que os EUA retomam o crescimento na virada de 2009. Não é muito otimismo?

- Não, é realismo - sustenta o economista, para quem aquela ideia de as economias ficarem em recessão por dois ou três anos (a da letra L) está descartada para o Brasil. - Saímos do fundo do poço e a retomada começa em meados do ano.

"Não sentimos nas pessoas a mentalidade da crise"

E por que o cenário do Brasil é diferente do apresentado pelos EUA? Para Luiz Roberto Cunha, o país contou com uma ação mais rápida e efetiva do governo, até porque o perfil de sua economia permitia isso: havia compulsórios, impostos e juros a reduzir. Além de programas de transferência para a baixa renda, como o Bolsa Família. Raul Velloso, por sua vez, lembra que nosso sistema financeiro estava saneado e o consumo das famílias, equilibrado:

- Hoje, os americanos têm de recompor sua riqueza (ações, imóveis etc.). Só que, para isso, as pessoas consomem menos. Para nós, a situação é diferente: enfrentamos a pior retração econômica dos últimos 30 anos e não sentimos nas pessoas a mentalidade da crise.

Mas isso é bom ou ruim?

- É bom, porque não se alimenta a crise. Ao contrário, atenua-se. Mas as pessoas precisam ter cuidado para não ficarem achando que está tudo bem, não sentirem medo do desemprego e saírem gastando muito.

Até porque, lembram Cunha e o professor Fernando Cardim de Carvalho, do Instituto de Economia (IE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um cenário alternativo para Brasil e mundo é o representado pela letra W - o do chamado "duplo mergulho", em que se voltaria a cair depois de algum tempo de melhora.

- Seria um pouco como no crash da Bolsa, em 1929. Ainda em 1931/1932 tivemos problemas com os bancos e, só a partir da preparação para a Segunda Guerra, a recuperação foi mais consistente - analisa Cunha. - O Brasil não vive sem o mundo. Nem a China. Se o mundo tiver algum problema adiante, a gente também será afetado. Além do que, não se pode esquecer, temos questões geopolíticas importantes, como as de Oriente Médio e Coreias.

Acentuando que o W seria o pior dos mundos, Cardim acredita que a "positiva (e inesperada)" redução de um ponto percentual dos juros, semana passada, indica que a retração brasileira da virada de 2008 não resultou de uma reavaliação generalizada das perspectivas da economia, e sim, "de uma reação mais pontual":

- O pior impacto da crise dos países ricos por aqui foi sobre a Bolsa. E a importância dela para o sistema econômico é muito menor do que os consultores financeiros gostam de afirmar. Tivemos a turbulência da Bolsa, que se transformou em turbulência cambial e na exposição de algumas grandes empresas a perdas com derivativos. Não me parece ter ido muito além disso.

Mas marolinha não foi, né?

- Toda crise se compõe de um choque e de um mecanismo de propagação. O problema em si não é o choque, que pode ser e frequentemente é uma marolinha, mas o que ocorre em seguida: se ele é amplificado ou absorvido. O subprime foi um choque relativamente pequeno nos EUA, mas o contágio para o resto do sistema financeiro os levou ao colapso. No caso do Brasil, o choque também foi pequeno, mas causou um grande impacto, especialmente pela deterioração das expectativas - diz Cardim. - Mas o que importa é que o Brasil tinha condições de absorvê-lo, em vez de propagá-lo e, em grande medida, é isto que parece ter ocorrido no final.

França e Alemanha podem não ter passado pelo pior

Ainda sobre os cenários projetados para o mundo, há quem avalie que França e Alemanha podem, inclusive, nem ter chegado ao fundo do poço.

- A Europa ainda tem problemas. Ao menos, suspeita-se que há coisa que não está aparecendo. Como grande produtora de máquinas e equipamentos, por exemplo, a Alemanha gostaria que o Banco Central Europeu injetasse mais recursos no sistema bancário - analisa Cunha. E o Japão? - É um bom exemplo do L. O país depende muito do comércio exterior e tem estímulos internos, dada a cultura de gastar pouco e poupar muito.