Título: Procuradoria do Pará mantém veto à compra de carne de área desmatada
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 16/06/2009, Economia, p. 20

Decisão foi confirmada apesar de pressão do governo estadual para adiar medida

Apesar de pressionado pelo governo do Pará para suspender por 60 dias as recomendações feitas a supermercados que compram carne proveniente de áreas da Amazônia desmatadas ilegalmente, procuradores do Ministério Público Federal (MPF) do Pará descartaram ontem qualquer afrouxamento à lei. Em nota, o órgão reafirmou que ¿a recomendação continua valendo. Nenhuma empresa notificada pelo MPF pode comprar gado criado às custas de ilícito ambiental¿ na região.

As grandes redes de supermercados são, segundo o MPF do Pará, os maiores clientes dos frigoríficos do estado. A lista toda do MPF tem 69 empresas de varejo e distribuidores, que compraram, entre 2006 e 2008, um total de R$ 405,4 milhões desses frigoríficos. Entre os supermercados, estão Carrefour, Wal-Mart e Pão de Açúcar, que, na última semana, anunciaram a decisão de suspender a compra de carne de 11 frigoríficos do Pará. Procuradas pelo GLOBO, as redes não se pronunciaram sobre o assunto.

Em outra lista, o MPF relaciona 22 fazendas e frigoríficos responsáveis pela criação e venda de gado em área desmatada.

Entre eles, o grupo Bertin S.A.

Em nota, a empresa informa que 20% do seu abate estão concentrados no Norte e no Mato Grosso. No Pará, são quatro frigoríficos e dois curtumes.

Apesar de a empresa alegar que não trabalha com fazendas ¿embargadas pelo Ibama por irregularidade no seu meio ambiente¿, foi convocada para explicar ao Conselho da Adidas se o couro que comercializa é proveniente de regiões de desmatamento na Amazônia.

MT e Rondônia estudam replicar decisão do Pará

A decisão do MPF do Pará pode ser replicada por outros estados, como Mato Grosso e Rondônia, que já começaram a estudar a estratégia que vão adotar para também coibir a venda de carne oriunda de desmatamento.

Os procuradores Nádia Simas, de Rondônia, e Marcellus Barbosa Lima, do Mato Grosso, devem decidir ainda esta semana se notificarão judicialmente as empresas de varejo dos seus estados.

No caso do Pará, o descumprimento à ação civil pública pode resultar em multa de R$ 500 por quilo de produto vendido.

Os procuradores Daniel Azeredo, Felício Pontes Jr. e Ubiratan Cazetta disseram ontem que estão ¿abertos a acordos individuais¿, desde que as empresas adotem uma série de exigências legais, incluindo a contratação de auditorias independentes para exame periódico das práticas dos fornecedores.

Por enquanto, nenhum Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado.

O International Finance Corporation (IFC), braço para setor privado do Banco Mundial (Bird), comunicou ao frigorífico Bertin que vai cancelar a parceria com a empresa, que incluía empréstimo de US$ 90 milhões para a expansão do grupo na Amazônia.

Abras: suspensão de compras é um exemplo a ser seguido

A decisão de Pão de Açúcar, Wal-Mart e Carrefour é um exemplo a ser seguido pelos supermercados, diz o presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Sussumu Honda. Segundo Honda, a venda de carne de frigoríficos do Pará representa 0,78% das compras totais dos supermercados.

O cerco aos frigoríficos e às redes varejistas foi intensificado no começo do mês com a divulgação do relatório ¿Farra do Boi¿, elaborado pelo Greenpeace.

A ONG apontou o governo como um dos principais sócios do desmatamento. Segundo o estudo, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) concedeu financiamento a pecuaristas responsáveis por 80% do desmatamento.

No caso do frigorífico Bertin, o banco detém 27,5% de participação acionária.

A parceria com o Bertin não é um caso isolado. Segundo o relatório do Greenpeace ¿através do banco, o governo tem formado alianças estratégicas com as cinco maiores empresas da indústria pecuária. Entre 2007 e 2009, essas empresas, responsáveis por mais de 50% das exportações brasileiras de carne, receberam US$ 2,65 bilhões do BNDES¿. Procurado, o BNDES não comentou a questão.