Título: Governo brasileiro poderá entrar com ação na OMC contra Argentina
Autor: Oliveira, Eliane; Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 16/06/2009, Economia, p. 21

Importados brasileiros, como calçados, brinquedos e têxteis, sofrem restrições

BRASÍLIA e BUENOS AIRES. O governo brasileiro poderá entrar com uma ação contra seu principal parceiro no Mercosul ¿ a Argentina ¿ na Organização Mundial do Comércio (OMC), devido às restrições que vêm sendo impostas às importações de uma série de produtos brasileiros.

São exemplos calçados, brinquedos, artigos da linha branca, móveis e têxteis. Segundo técnicos que estão acompanhando o problema, os argentinos não estariam cumprindo as regras em vigor na OMC, de liberar licenças de importação em até 60 dias para ingressos não-automáticos e em até dez dias para automáticos.

A situação chegou a tal ponto que somente o setor de brinquedos, por exemplo, não consegue vender nada ao país vizinho há um ano, segundo o presidente da associação setorial (Abrinq), Synésio Batista. Ao mesmo tempo, disse, não param de entrar produtos chineses no mercado argentino. As indústrias brasileiras, destacou Batista, já deixaram de vender cerca de US$ 15 milhões à Argentina.

¿ Nenhuma medida nova da Argentina me surpreende.

Estamos perdendo um mercado que era nosso para a China.

Se os chineses podem exportar, por que nós não podemos? ¿ indagou Batista.

Clima é de irritação com protecionismo argentino

Na semana passada, com o aval dos governos do Brasil e da Argentina, empresários dos dois países conseguiram fechar acordos de restrição voluntária de embarque em áreas sensíveis, como móveis, calçados, freios, baterias e celulose. No entanto, há desconfiança por parte desses setores. Restringir exportações ao país vizinho para que os argentinos comprem da China é sempre um risco, afirmou um empresário que pediu para não ser identificado.

Os setores de brinquedos e de linha branca são os grandes desafios para as autoridades brasileiras. No passado, o Brasil chegou a reduzir as vendas de fogões, geladeiras e máquinas de lavar para a Argentina.

No entanto, foi verificado desvio de importação. As compras da China não caíram.

No caso de calçados, pelo acordo firmado na semana passada, os calçadistas brasileiros deixarão de exportar 3,5 milhões de pares para a Argentina este ano, em 2010 e 2011. Está previsto o embarque de 15 milhões de pares por ano, uma redução de 19% sobre as exportações de 2008, quando foram para o país vizinho 18,54 milhões de pares.

Um representante do setor calçadista comentou que ¿dos males, o menor¿. As empresas brasileiras de móveis terão de cortar em 35% as vendas ao vizinho.

Não há consenso no governo brasileiro quanto a uma ação na OMC, pois a diplomacia resiste.

Mas fontes revelaram que há um clima de irritação crescente com as medidas protecionistas.

A última, divulgada por jornais argentinos, consiste em condicionar importações de produtos brasileiros a exportações do mesmo valor.

Quem quiser importar teria de exportar o mesmo valor

Recentemente, o próprio secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, teria dito a um grupo de cem empresários locais que, a partir de agora, quem quiser importar deverá exportar pelo mesmo valor, em dólares. Além de proteger a indústria nacional, a medida, não confirmada oficialmente, busca conter a fuga de capitais, que em dois anos alcançou cerca de US$ 38 bilhões.

O objetivo do governo da presidente Cristina Kirchner é, através de suas exportações, os empresários obterem divisas necessárias para importar. Fontes que participaram do encontro com Moreno explicaram que a nova ordem do secretário aos empresários que desejem importar é assinar uma declaração em cartório se comprometendo a exportar pelo mesmo valor, num prazo máximo de um ano. Caso contrário, a operação não passa na Secretaria de Comércio e, portanto, fica engavetada na Alfândega.

Moreno é o principal defensor da aplicação de medidas protecionistas como licenças não automáticas, que prejudicam exportações brasileiras. Cerca de 14% das exportações do Brasil para a Argentina são afetados pelo protecionismo de Moreno e sua equipe. Não é à toa que, nos primeiros quatro meses do ano, as importações despencaram 38% na Argentina, contra recuo de 22% nas exportações.

(*) Correspondente