Título: Atos que escondem muito mais
Autor: Camarotti. Gerson
Fonte: O Globo, 22/06/2009, O País, p. 3

Papéis secretos do Senado encobriram reformas luxuosas, cirurgias estéticas e farras na gráfica

Os atos secretos do Senado não encobriram apenas irregularidades na contratação de pessoal, mas também decisões administrativas para beneficiar os próprios senadores e funcionários graduados da Casa. A comissão de sindicância descobriu que os documentos sigilosos esconderam de reembolsos médicos exagerados e fora do padrão até suntuosas reformas de apartamentos funcionais. A cozinha de apenas um desses apartamentos foi repaginada por mais de R$100 mil. Foi omitida também uma farra de impressão de livros e publicações na gráfica do Senado e outra na emissão de passagens aéreas internacionais.

Os parlamentares já foram alertados de que a caixa-preta da instituição esconde muito mais do que já foi divulgado, e que a investigação deve atingir todos os grupos de senadores, inclusive os integrantes do chamado grupo ético. Os atos secretos não ficaram centrados apenas na contratação de parentes e aliados do grupo político do presidente da Casa, senador José Sarney (PMDB-AP). Por isso, instalou-se nos bastidores um clima de ameaça e intimidação.

Nos mais de 600 atos, há contratações de pessoal em diversos gabinetes, além dos da família Sarney, e muitos encaminhamentos administrativos. Segundo funcionários, os dados vão abrir novas frentes para apuração de irregularidades. Entre as novas informações que devem surgir nos boletins sigilosos está a ampliação da cota de impressão de livros na gráfica do Senado para parlamentares.

No fim de semana, os senadores foram alertados de que os atos ocultos podem causar mais barulho que as contratações de pessoal. Parte das irregularidades administrativas poderá não constar do relatório sobre os cerca de 650 atos secretos, que será apresentado amanhã. Mas já existe uma preocupação maior com as novas informações: até cirurgias estéticas foram custeadas pelo Senado, como se fossem despesas médicas. Os valores ficaram bem acima dos cobrados pelo mercado, inclusive nas reformas luxuosas de apartamentos funcionais.

Já se cogita, inclusive, a criação de uma outra comissão para investigar as novas irregularidades. Recuperando-se de uma cirurgia de redução do estômago, o 1º secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), disse ao GLOBO que sua determinação é não aceitar divulgação parcial ou seletiva. Haverá ampla divulgação aos atos secretos. Ele retorna a Brasília amanhã, quando deve analisar o relatório.

- Não posso brincar com isso. Quero que se publique tudo. Não posso colocar em risco meus anos de vida pública. Vamos tomar medidas em relação a todas as irregularidades levantadas - afirmou Heráclito.

"Os atos secretos vão atingir todo o Senado"

Ele advertiu, ainda, que os atos secretos não ficarão restritos às contratações de pessoal feitas pelo grupo ligado a Sarney. Há, por exemplo, uma informação sobre a nomeação da mulher do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), Gladys Buarque, para a liderança do PDT, em 2007. Servidora da Câmara, ela já foi devolvida a seu órgão de origem. Cristovam não foi encontrado ontem para falar do assunto.

Também há o ato secreto que permitiu o senador Magno Malta (PR-ES) instalar um assessor de confiança no Conselho de Ética, durante o seu processo de cassação.

- Os atos secretos vão atingir todo o Senado. Era uma prática muito mais ampla. Havia muita coisa que era feita sem divulgação para evitar expor senadores. Isso foi feito para todo mundo. Pelo jeito, existem funcionários que estão tentando chantagear Sarney para ocupar espaço - disse Heráclito, evitando, porém, citar nomes.

Por isso, ele disse estranhar o fato de que, até o momento, o noticiário tenha se concentrado nas denúncias contra Sarney. Nos bastidores, há uma guerra de grupos de servidores que deixa os senadores em posição desconfortável. Heráclito sugere que há manipulação política com a divulgação parcial dos dados.

O 1º secretário também ressalta que vários parlamentares receberam benefícios administrativos, que foram mantidos de forma sigilosa. Segundo ele, o ex-diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, prestou favores à maioria dos senadores utilizando atos secretos.

- Ninguém fica 14 anos nessa posição sem ser o Papai Noel. Pelo jeito, ficou tanto tempo por causa dessa prática - disse Heráclito.

No Senado, há grande expectativa sobre o primeiro relatório sobre os atos secretos. Para o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), o documento deve revelar como era a atuação de Agaciel Maia. Sem citar nomes, Guerra classifica o ex-diretor-geral como operador de um grupo de senadores.

- O que o grupo queria, Agaciel resolvia. Ele era o operador do grupo. Por isso, ficou tanto tempo. Agora ele continua no Senado intimidando todo mundo, com a mesma cara e a mesma autoridade - ressaltou Guerra.